LAIRE ROSADO: FIDUCIA SUPPLICANS

O Papa Francisco foi enviado por Deus para promover profunda transformação na Igreja Católica. É possível, até mesmo, que esse tenha sido o intuito do falecido papa, hoje santo, Bento XVI, ao apoiar a candidatura do cardeal argentino para assumir o trono, vago com o seu pedido de afastamento. E, desde a sua eleição em 2013, o jesuíta argentino, insiste na importância de uma Igreja “aberta a todos”. Como a Igreja é plural, a posição de Francisco suscita a ira dos conservadores, até mesmo, na restrição do uso da missa tradicional em latim.

Francisco é arrojado. Corajoso mesmo! Em mais de dois mil anos de história da Igreja Católica, foi o primeiro Papa de origem latino-americano. E chegou para cumprir uma missão que exige grande determinação. O documento Fidicia Supplicans, do Dicastério para a Doutrina da Fé, é somente um exemplo dessa disposição.

São muitos os casais afastados da Igreja por conta de casamentos originários fracassados.  Mesmo que um deles não tenha culpa e sofra com esse triste desfecho, a punição da Igreja recai sobre os dois e os afastava do seu convívio. Não se podia evitar que frequentassem as missas, mas a comunhão lhes era negada. Os filhos do novo casal também não podiam ser batizados. Um castigo, muitas vezes, imerecido e injustificado.

Em relação aos gays, não havia espaço para o menor diálogo, pois o Vaticano, em 2021 reafirmou considerar a homossexualidade um “pecado” e confirmou a impossibilidade de casais do mesmo sexo receberem o sacramento do casamento. Não casar poderia ser aceito, mas estar em pecado é uma execração que poderia durar por toda uma existência. Os LGBTQIA+, sigla que representa várias identidades: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer ou Questionadores, Intersexuais, Assexuais, dentre outros, como uma forma de incluir todas as pessoas que não se identificam como heterossexuais ou cisgêneros, eram os alvos principais dessa discriminação.

Com a Fiducia Supplicans, a situação conjugal não se modifica, mas “é possível abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo, de maneira que não seja fixada ritualmente pelas autoridades eclesiásticas evitando confusão com a bênção específica do sacramento do matrimônio”, explica o documento publicado em vários idiomas pelo Vaticano.

Essa bênção “nunca será realizada ao mesmo tempo que os ritos civis de união, nem mesmo em conexão com eles”, especifica o documento do Dicastério para a Doutrina da Fé, aprovado pelo Papa Francisco.

Esta é a primeira vez que a Igreja abre tão claramente o caminho à bênção dos casais em segunda união e, também, os do mesmo sexo, um assunto que cristaliza tensões dentro da Igreja devido à forte oposição de sua ala conservadora, em particular dos Estados Unidos.  Antes desse novo documento do Dicastério da Fé, apesar do não reconhecimento da Santa Sé, a bênção a esses casais já era praticada por alguns padres, principalmente na Bélgica e na Alemanha. Em sentido contrário, no início de outubro, cinco cardeais conservadores pediram publicamente ao Papa Francisco que reafirmasse a doutrina católica sobre os casais homossexuais, mas o documento final do Sínodo deixou esta questão espinhosa de lado.

Em defesa de sua posição de vanguarda, Francisco teve que adotar posições antipáticas, como a destituição do bispo americano Joseph Stricklanda de sua diocese localizada no Texas, nos Estados Unidos. Strickland é um renomado católico conservador que vinha criticando repetidamente o papado de Francisco, especialmente os acenos à comunidade LGBTQIA+. O americano havia sido nomeado pelo papa Bento XVI, morto em 2022.

Em 17 de dezembro de 2023, o Papa Francisco completou 87 anos. Vida longa ao Papa.

Laíre Rosado, médico e ex-deputado federal

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