Nem nos piores dias de trabalho, poderia imaginar um cenário destes, com cenas de filmes apocalípticos. Moro em Nova York há mais de 20 anos e, há dois, trabalho como enfermeira num dos maiores hospitais da cidade (prefere não dizer o nome), onde circulam mais ou menos três mil profissionais da saúde de várias áreas. Quem diria, os EUA seriam o novo epicentro do coronavírus!

Fico numa unidade com mais seis colegas, revezando turnos. Cuidamos de até cinco pacientes com doenças hepáticas, com cirrose ou que esperam por transplantes de fígado; alguns precisam ser entubados eventualmente, mas, desses, geralmente dois apresentam estado crítico.

O pânico bateu quando cheguei ao meu andar e vi que o cenário tinha mudado quando entraram os primeiros pacientes com o Covid-19. Em pouco tempo, minha unidade foi convertida para eles, e todos os leitos estão ocupados — os quartos onde deveria ficar apenas uma pessoa estão com duas, o que não é o ideal. Por ser uma doença “droplet” (de fácil transmissão por gotículas), eles deveriam estar isolados num quarto só. Temos que ficar mais alerta porque, a qualquer momento, a entubação pode acontecer num paciente com Covid-19; fora a UTI, que fica no andar de baixo, operando na capacidade máxima. Estamos prevendo um aumento de 50% na demanda de pacientes em duas semanas;  provavelmente, os médicos não vão dar conta.

Superlotação, novos problemas. Não temos EPI (Equipamento de Proteção Individual). Minha chefe disse, no início desta semana, que eu tenho que colocar meu nome na máscara, limpar com água oxigenada e reutilizá-la durante todo o meu turno de 12 horas. Aqui estamos cuidando de pacientes com o Covid-19. Não temos equipamentos para nos proteger! Nós somos linhas de frente; é como ir a uma guerra sem armas. Como você pode esperar que cuidemos de pessoas doentes quando as coisas piorarem e ficarmos doentes? Este é o EUA, país do Primeiro Mundo! Como pode? O número de vítimas está em 519 nessa sexta (27/03), e crescendo, e são 44.635.

Além disso, algumas colegas fizeram aventais com sacos de lixo. Eu mesma peguei material no hospital, assisti a um vídeo no YouTube e fiz minha própria máscara. Minha cabeça deu um nó, mas tenho que estar firme para atender os pacientes porque essa é profissão que amo, que escolhi — tenho que enfrentar, e seja o que Deus quiser. Nós, enfermeiros, somos linha de frente porque vários médicos nem vão: acessam o paciente por telefone, e a gente tem que entrar o tempo todo nos quartos, dar medicamentos e trocar equipamento. Estou longe da minha família, que mora em Brasília. Deixei minha filha, de 13 anos, na casa do meu namorado, ou seja, estou sozinha para não correr risco de contaminá-los.

Não tenho ideia de quantos pacientes estão internados e nem de quantos morreram neste hospital, porque as coisas acontecem muito rápido. Esta semana mesmo, chegou um paciente normal, de 36 anos, sem comorbidades, apenas com tosse e febre. Ele saiu do quarto para fazer um exame e quando voltou estava com falta de ar; tivemos que colocá-lo no respirador e entubá-lo. Vemos no olhar o desespero dos pacientes por estarem sozinhos.

Estou com a cabeça a mil. Emocionalmente, tem dias que eu choro, não durmo. Sempre saí para trabalhar feliz, mas agora vou com medo. Outro dia, uma amiga estava aos prantos porque tinha que entrar para ver um paciente, mas não tinha máscara, e eu nem podia dar a minha. Partiu meu coração. Não chorei ainda no trabalho; choro no carro e em casa, pensando na família e amigos. Nós, enfermeiras, temos a fama de ser fortes, mas, neste momento, estamos quebradas.Também não sabemos quantos de nós estão contaminados, mas vários já foram afastados com os sintomas da doença. O clima é tenso.

Só quero deixar claro aos brasileiros: tenham consciência porque, se no Primeiro Mundo, está assim, imagina no Brasil? Fiquem em casa! Estão falando que esse vírus não dá nada com gente jovem. Está errado, e é esta a hora de tentar dar uma parada na disseminação. Pense no próximo.

Karina Félix é enfermeira, tem 39 anos, nasceu em Brasília, mas se mudou para Nova York há 20 anos. Há dois, trabalha no maior hospital da cidade.

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