Guerra na Ucrânia: divergência entre ação diplomática e Bolsonaro “enfraquece posição do Brasil”, diz analista

Logo depois do governo britânico ter divulgado que Jair Bolsonaro e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson concordaram em pedir um cessar-fogo urgente na Ucrânia, o presidente brasileiro voltou a ficar em cima do muro ao comentar a guerra. Os dois líderes se falaram por telefone e o que se sabe da conversa foi a nota divulgada pela equipe de Johnson, que lembrou Bolsonaro da importância que o Brasil teve ao lutar ao lado dos aliados na Segunda Guerra Mundial.

Na transmissão pela internet dessa quinta-feira (3), Bolsonaro falou pouco do conflito que já deixou mais de um milhão de refugiados ucranianos, e usou argumentos econômicos para defender sua opinião. Ele trocou a ‘neutralidade’ dos discursos anteriores por ‘equilíbrio’, mas de novo não tomou lado na história.

“Muitos questionam que eu tenho que ter uma posição mais firme de um lado ou de outro. O Brasil continua numa posição de equilíbrio. Nós temos negócios com os dois países e não temos a capacidade de resolver esse assunto. Então equilíbrio é a posição mais sensata para o governo federal”, justificou Bolsonaro que depois completou, afirmando que torce pela paz. “A guerra não traz nenhum benefício para os dois países e para o resto do mundo. Veja aí o preço do petróleo como subiu”, disse durante a live transmitida pelas redes sociais.

Brasil votou contra Rússia na ONU

Esta semana a diplomacia do Brasil endossou nas Nações Unidas documento que condena de forma dura a operação de guerra da Rússia na Ucrânia. “Eu diria que no momento existem três grandes correntes no governo. Essa do Itamaraty, dos diplomatas profissionais, que se manifestam nas votações da ONU, condenando a guerra da Ucrânia como uma guerra de agressão. Há a posição do presidente Bolsonaro, que tem feito declarações mais ao lado de Putin. E uma terceira que a é a do vice (Hamilton) Mourão, que chegou a comparar Putin a Hitler e defendeu um alinhamento maior do Brasil aos Estados Unidos e União Europeia. O vice é um general de quatro estrelas, então o que ele fala em geral reflete algum consenso de ao menos parte do alto comando do Exército”, diz Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

“Mas eu diria que na divergência de opiniões, a oposição do Itamaraty, da diplomacia é a que tem mais peso. O Brasil foi o único dos Brics a votar contra a Rússia, e isso não é pouca coisa”, complementou Santoro ao lembrar que China, Índia e África do Sul se abstiveram das críticas à Rússia no encontro da Assembleia Geral da ONU na quarta-feira.

Ainda assim o analista diz que essa cesta de opiniões impede o Brasil de ter maior protagonismo no cenário internacional. “Essa indefinição enfraquece a posição do país inclusive na ONU porque enquanto a diplomacia se posiciona de uma forma, o presidente joga na outra linha, como se eles estivessem jogando em times diferentes. Isso é muito ruim para o Brasil porque nosso principal ativo internacional não é nossa força militar nem nossa economia, mas nossa credibilidade, nossa diplomacia”, avalia.

Impacto na economia

A principal ligação econômica do Brasil hoje com a Rússia são insumos para o agronegócio. A ministra da agricultura, Teresa Cristina, comentou ao lado do presidente que nenhum produto da Rússia consegue hoje chegar aos portos brasileiros por causa das sanções ao país de Putin, que impedem transações bancárias com os russos, e do risco de bombardeio, dando a dimensão do problema para importadores e exportadores:

“O que nós temos no momento é a suspensão desse comércio porque nós não temos como pagar os produtos, não há como realizar essa transação bancária, e também nós não temos navios para carregar esses fertilizantes do mar Báltico e Negro, não temos navios com seguro para isso. Então é totalmente impossível agora conseguirmos comprar esses produtos tanto da Rússia quanto da Belarus. Não é porque eles decidiram suspender. É por causa da guerra mesmo. Enquanto ela durar é impossível trazer esses produtos de lá”, afirmou a ministra, que comentou a dependência do Brasil nessa área, especialmente quanto ao potássio. Durante a semana ela frisou, no entanto, que até setembro há fertilizantes e agrotóxicos garantidos para a colheita no Brasil.

Fonte RFI

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