Ex-comandantes abandonam ex-presidente Bolsonaro para salvar imagem das Forças Armadas

Detalhes do depoimento de militares de alta patente revelados na sexta-feira (15) colocam Bolsonaro como protagonista da tentativa de golpe. Especialista ouvido pela RFI alerta para o perigo de uma análise simplista de que as Forças Armadas salvaram o país e asseguraram a democracia. Para ele, a tentativa é de recuperar prestígio da farda e se distanciar do bolsonarismo.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

As novas revelações de ex-comandantes das Forças Armadas mostram que o Brasil correu risco de viver um novo momento de ruptura institucional, diante da insistente recusa de Jair Bolsonaro, derrotado nas urnas, de entregar o poder. As informações trazidas à tona até agora reforçam a suspeita de que ele e alguns militares que integravam o então governo realmente arquitetaram um golpe.

Os depoimentos à polícia federal do ex-comandante do Exército Freire Gomes, e do ex-comandante da Aeronáutica Carlos Baptista Junior, colocam Bolsonaro no centro dessa trama. Eles relataram reuniões, nos meses posteriores à vitória de Lula, em que se discutiram versões da minuta do golpe, mas enfatizaram que deixaram claro nessas ocasiões que não embarcariam em nenhum plano golpista. Bolsonaro teria até sido advertido de que poderia ser preso pelo Exército se levasse adiante essa ideia.

Não há dúvidas de que a situação do ex-presidente se complicou perante a Justiça. Mais complexo, porém, é analisar o que de fato está por trás dessa postura dos ex-comandantes. Os militares integraram de forma decisiva o governo Bolsonaro e tiveram muitos ganhos com isso. Foram coniventes com os acampamentos em frente aos quartéis que pediam intervenção militar.

Imagem da corporação

Para o analista Diogo Cunha, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tudo isso manchou a imagem da corporação e, ainda que as revelações agora prestadas em longas horas de depoimento sejam de fato verdadeiras, parece haver também um esforço em recuperar o dano e afastar a caserna do bolsonarismo.

“Há alguns comentários em redes sociais e até entre acadêmicos dizendo: olha só, as Forças Armadas realmente são legalistas e salvaram a democracia. As coisas não são tão simples assim. As Forças Armadas ganharam muito com o Bolsonaro, apoiaram o projeto dele, mas agora me parece que vão tentar se descolar disso, para atenuar essa imagem”, disse Cunha.

O cientista político elenca fatos recentes da história em que fica claro o crescimento do partidarismo entre os militares. “Você pega a história recente desse processo de politização das Forças Armadas a partir da Comissão Nacional da Verdade em 2013, 2014, crise, Temer, o famoso tweet do Vilas Boas, você via que eram as Forças Armadas entrando de cabeça na política partidária, aparentemente com o projeto de poder, com o seu candidato, que era Jair Bolsonaro. Deu errado, pelo menos a manutenção dele no poder no segundo mandato. Então agora o esforço vai ser se distanciar disso. E me parece que eles não vão hesitar em deixar o Bolsonaro no meio do caminho.”

Apoio inveterado

Cunha acredita que o suporte inveterado dos militares ao então presidente pode ter encorajado seu projeto de ruptura institucional. “Tendo a achar, apenas uma suposição minha, que o Bolsonaro talvez nem não fosse tão longe nessa tentativa de golpe se ele não achasse que pudesse contar com apoio que ele contou desde 2013”, conclui o analista.

Muita coisa ainda está por vir, mas a temperatura subiu bastante nos últimos dias no ninho de poder do bolsonarismo com o teor das oitivas dos ex-comandantes. Independentemente da intenção, o que foi falado piora bastante a situação do ex-presidente.

“Eu acho que a situação do ex-presidente fica bastante complicada porque essas novas revelações, pelo que vimos até aqui, implicam diretamente Bolsonaro no centro da tentativa de golpe. As informações indicam que ele arquitetou, que buscou por todos os meios articular um golpe e a sua permanência no poder, e isso é muito grave. Revelações que apontam para um presidente que foi derrotado nas urnas e conspirou”, destacou o professor da UFPE.

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