Escândalo das joias demonstra ter força para desidratar capital político do clã Bolsonaro

Analista ouvido pela RFI disse que, em outras crises, os apoiadores de Jair Bolsonaro defenderam o ex-presidente com vigor nas redes sociais, o que não acontece agora. Nova postura dos advogados de Mauro Cid, ressaltando que ele só cumpria ordens, exemplifica clima tenso entre os investigados

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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

As acusações de apropriação ilegal, inclusive com venda no exterior, de joias recebidas de delegações estrangeiras pelo casal Bolsonaro, enquanto estava a serviço do Estado, são alvo de investigação da Receita Federal, CPMI, Polícia Federal e pode ter também participação do FBI americano. O caso é o principal fator de desgaste do clã Bolsonaro e mesmo aliados próximos do ex-presidente têm comentado que é difícil imaginar um desfecho favorável aos suspeitos de irregularidades.

Parlamentares e agentes se debruçam sobre movimentações financeiras do ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, Mauro Cid, troca de mensagens e documentos apreendidos –como o recibo de US$ 49 mil por um Rolex em ouro branco em nome do advogado pessoal do ex-presidente. Frederic Wassef, que nega ter ido aos Estados Unidos na missão ‘resgaste do Rolex’, teve o celular apreendido num restaurante em São Paulo nesta quarta-feira (16), em operação da PF.

Prova do clima tenso veio também de declarações do novo do advogado de Mauro Cid, o terceiro a assumir a causa. O criminalista Cezar Bittecontourt, que em outras situações já criticou prisão de Lula e as invasões golpistas de oito de janeiro, não citou nomes, mas disse em entrevista à Globonews que seu cliente cumpria ordens e que “alguém mandou, alguém determinou”.

Fim de ‘pretenso diferencial moral’ do bolsonarismo

O cientista político e professor da Universidade de Brasília Luis Felipe Miguel disse à RFI que o caso das joias tem “elementos de histórias que caem no gosto popular” e as investigações podem desidratar o apoio político de Bolsonaro.

“Em outros momentos, em questões que a gente até poderia considerar mais graves, como as acusações contra Bolsonaro de tentar sabotar a democracia, sabotar as medidas de saúde pública, a gente viu uma manifestação muito grande de parlamentares, de lideranças políticas da extrema direita brasileira do lado do Bolsonaro. Desta vez, praticamente não se vê alguém defendê-lo, porque é um caso com apelo visual, uma narrativa muito simples, atinge facilmente o público comum no coração do que tinha sobrado como um pretenso diferencial moral do bolsonarismo”.

Núcleo fiel

O analista da UnB diz que ainda não dá para medir o impacto nos eleitores, porém ressalta que o bolsonarismo não é homogêneo e depende muito da mobilização de apoiadores nas redes sociais – que, no escândalo das joias, tem sido bem silenciosa.

“Eu creio que existe um núcleo duro de fiéis bolsonaristas que vai continuar com Bolsonaro a despeito de todas as evidências de malefícios que ele fez. Mas existem também setores mais fluidos que se aproximaram do bolsonarismo na onda da antipolítica dos últimos anos, mas não são completamente cegos ao confronto com a realidade. E esses, como parecem indicar as primeiras sondagens da imprensa, sinalizam um recuo diante das evidências que surgem agora,” afirmou Luis Felipe Miguel.

O ex-presidente tem afirmado que não cometeu nenhum ato ilícito envolvendo presentes recebidos enquanto era presidente e que informações contrárias a isso são fake news.

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