ENTREVISTA: Shauara David

Conversa com a poeta Shauara David.

Quem é Shauara David?

Estou me conhecendo ainda. Sou natalense, libriana e estranha. Nasci com icterícia e permaneci na UTI sete dias, além de duas paradas respiratórias, tive que trocar o sangue todo. Cresci à margem, nadando contra o senso comum. Fui mãe aos trinta, em seguida descobri um tumor cerebral que quase me cegou, até aqui duas cirurgias de alta complexidade, e a gratidão de estar e ser. Gosto da solitude, de MPB e das plantas. Renasço a cada amanhecer com a alegria de continuar aprendiz.

Quando e como se percebeu poeta?

Desde pequenina percebia coisas que, além da superfície, só eu via. Ganhei um diário aos 13 anos e descobri que ninguém me entendia melhor do que o papel. Depois conheci a literatura (Clarisse Lispector, Gabriel Garcia, Drummond, entre tantos outros…), o que me salvou a vida. Da criação me mantenho, nunca mais quero me curar desse vício.

Costuma mostrar seus textos a alguém antes de publicá-los?

Geralmente sim. Acho essencial uma opinião terceira, se o poema toca de alguma forma, atingiu o objetivo de existir.

Você é autora de vários livros (mais de uma dezena), sendo a grande maioria deles de poesia. Como é o seu processo criativo? Há espaço para revisão e reescrita ou deixa-se completamente espontânea?

Cada livro vem de um contexto de vivência. Tenho atualmente 17 escritos, sendo 7 editados. Destes apenas o “Quintessência” foi oficialmente publicado. Antes de publicá-los reviso incansavelmente, reescrevo, apago e acrescento como quem lapida um diamante, mas sem perder o contexto emocional nem a espontaneidade.

Como surgem seus poemas?

Da percepção cotidiana, do encanto e perplexidade diante os infinitos, das sensações intimistas e sentimentos infindos da vida. Na verdade, da lama ao lótus tudo é poesia. Além do que se vê há uma reunião de infinitas possibilidades.

Sob as atuais circunstâncias políticas, além das marcas deixadas pela História, como você se vê enquanto mulher e poeta?

Do ponto de vista histórico e político é lamentável. Socialmente a predominância do poder masculino aloja fragmentos do machismo no inconsciente geral. Da mais sutil violência à insaciável cobiça, implica num mundo doente, sem amor. Biologicamente me sinto privilegiada, a essência feminina concebe luz à nova vida, então foco nessa delicada força de discernimento e intuição para encher o caminho de flores.

Lançamento de “Quintessência”, na livraria Manimbu, em Março de 2020. Foto cedida pela autora.

Tudo é confessional. Costumo dizer que minha vida são vários livros abertos, já que não há como dissociar uma coisa da outra, escrever é puramente viver, se apropriar da sensação e compartilhar da criação, toda a verdade inventada.

Percebo que em sua poesia há uma procura que ora se revela como da própria identidade, ora a procura de um outro. Além disso, sinto uma introspecção unindo cenas e cenários, à sentimentos ou sensações. O que mais você percebe em suas obras? Após escrever vários livros, consegue identificar padrões?

Cada livro é um pedaço de mim, portanto um padrão relativo ao contexto histórico vivido. O “Casulo” (2011) por exemplo, escrevi depois de perder uma pessoa muito próxima, então prevalecem versos de estranhalidade, dor e saudade. O “Poemas roubados da livraria” (2012) surgiu durante o tempo em que frequentei o café de uma livraria, então a ‘apropriação’ de leituras (livros e gentes), dos encontros e sensações do eu/observador. São várias vidas numa só, fases da maturidade vindas de experiências diversas.

Vamos falar um pouco sobre Crônicas, cartas e outras prosas e O livro dos relatos, seus dois livros de prosa.

O primeiro nem considero um livro; ousei escrever algumas crônicas e reuni com outras prosas para publicar no site Recanto das Letras, mas não pretendo lançar. Quanto ao Livro de Relatos, trata-se de uma experiência espiritual profunda e divina, na qual passei um ano consagrando o cogumelo mágico, meu divisor de águas, e relatei cada vivência transformadora. Foi a interação mais espetacular da minha vida, vivi muitos milagres.

Como foi a experiência de publicar um livro em conjunto com outro autor? Falo de Filosophoesia. Como chegaram a um consenso sobre a ideia do livro e o título que leva?

Essa feliz parceria surgiu da amizade com Henrique Pitt, do nosso reconhecimento e interesses mútuos. Passávamos muitas tardes conVersando (virtualmente), os poemas surgiam das conversas filosofais, tão naturalmente nasceu o título e a sintonia forte nos fundiu na ideia de compor o livro.

Sangria desatada é um título que me chama muita atenção. Além de belo, é direto. Na apresentação deste livro, vejo uma poeta que carrega não só maturidade poética, mas também existencial, sendo consciente daquilo que escreve e vive. Como foi o processo que gerou esse livro?

Sim, o “Sangria” deu início a um novo ciclo, uma forma de escrever mais livre, como num diário em vazante sangria. É o primeiro de uma trilogia, seguido do “Vulto Luminoso” e “Elementares”. Cada um tem setenta poemas sem títulos, separados em ordem numérica. Nenhum ainda editado, o terceiro foi contemplado na lei Aldir Blanc, portanto em breve será, também pretendo lançar os dois primeiros.

Há muito de sua própria vida no que você escreve? Vejo que há um “querido” que por vezes aparece em seus livros. Ele existe? (Rs) Quanto de confessional você coloca nos textos?

Tudo é confessional. Costumo dizer que minha vida são vários livros abertos, já que não há como dissociar uma coisa da outra, escrever é puramente viver, se apropriar da sensação e compartilhar da criação, toda a verdade inventada. Puro sentimento. Quanto ao “querido” é mais uma expressão irônica, não necessariamente a alguém específico.

Onde podemos comprar seus livros? O que está preparando de novo para nós?

Todos os livros podem ser adquiridos diretamente comigo, através do email, Instagram ou telefone. Assim posso dedicá-los exclusivamente.
O Quintessência(lançado em 2020) e o Espírito deVerso( 2021),ambos pela editora Penalux/SP, também podem ser encomendados na internet, através do site da editora. O Elementares saiu do forno agora, editado pela Unilivreira Natal/RN, graças à premiação pela lei Aldir Blanc/2021. Ele está disponível na livraria Manimbu ( Tirol/RN).

Atualmente tenho me dedicado à revisão de livros antigos que pretendo editar no momento certo. O livro novo(ainda sem título) está sendo escrito/vivenciado, no contexto de renascimento, após a experiência de quase morte em Agosto de 2020, de hidrocefalia, gerada por um tumor cerebral. Não faço ideia de quando o concluo, estou saboreando o processo de redescobrir a vida e construir cada página, agraciada pela chance de estar e sentir.

Deixe-nos algumas palavras.

A vida é uma literatura fantástica, com personagens absurdamente únicos, os dias são páginas virando, o preto no branco colorindo a estrada. Ao redor uma magia oculta beirando o porvir, cada vírgula em seu lugar, perfeitamente sincronizado é o universo, tudo feito de aprendizado e amor. Nada por acaso, sorte! O agora é eternamente tudo o que existe. Essencial viver esse presente.

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