ENTREVISTA – Dionízio do Apodi

Dionízio do Apodi iniciou sua trajetória artística em 1998 coordenando o Grupo de Teatro Universitário de Mossoró, por um período de três anos. Depois saiu para fundar O Pessoal do Tarará, onde ficou por mais de uma década, dirigindo e atuando em diversos espetáculos que circularam pelo Brasil, participando de temporadas e festivais. Em 2013 mudou-se de Mossoró para São Paulo para trabalhar com o ator e diretor Cacá Carvalho, na Casa Laboratório para as Artes do Teatro de São Paulo. Lá, estudou, pesquisou, fez espetáculos e cumpriu temporadas, retornando ao Rio Grande do Norte em 2017 para iniciar um trabalho à frente de projetos culturais de Apodi, sua terra natal, com a criação de programas e projetos inovadores como o Carnaval Sociocultural, Festival Sociocultural, Casa de Taipa, Caravana Natalina e uma série de outras atividades nas zonas urbana e rural. Em 2019 passou a residir em Mossoró e durante a pandemia criou, juntamente com sua companheira Renata Soraya, o ALUMIAR – o sarau da gente, programação pela internet que reúne artistas do Brasil inteiro. É com ele que O Mossoroense fala esta semana.

 

O Mossoroense: Você esteve em uma incursão pelo centro-sul do país. Como foi esta experiência?

Dionízio do Apodi: Do final de 2013 até metade de 2017 morei em São Paulo. Não fui tentar a vida, como culturalmente enxergamos os nordestinos quando vão embora para aquela região. Fui trabalhar com meu mestre Cacá Carvalho (ator e diretor de teatro). Uma coisa que sempre fiz em toda a minha trajetória artística, e faço, é investir no meu ofício. Passar esse tempo em São Paulo foi um grande investimento no meu trabalho artístico. Cacá faz parte da história do teatro nacional, como Macunaíma, dirigido pelo saudoso Antunes Filho, ele viajou o mundo, tornou-se cidadão honorável na Itália, é uma pessoa das mais importantes de nosso teatro. E ele me escolheu, primeiro para uma experiência de três meses, junto com outros 14 artistas, numa seleção que começou com mais de quatrocentas pessoas, e depois virei ator da Casa Laboratório para as Artes do Teatro de São Paulo, dirigida por ele, e com mais três artistas vivemos um trabalho intenso, em jornadas diárias de no mínimo dez horas de trabalho. Isso foi muito importante para mim, foi um divisor de águas, principalmente porque o contato com este mestre me deu uma consciência maior com o meu trabalho. Sempre respeitei muito o meu ofício e depois de Cacá fiquei muito mais chato do que eu já era. São Paulo é um mundo, das maiores cidades do planeta, então se vê muita coisa por lá, que não encontramos aqui, como também temos muita coisa aqui que nunca será vista por lá, para não ficarmos na posição de achar o outro maior que nós. Cada lugar tem sua riqueza, mas viver em São Paulo nesta perspectiva de crescimento artístico é uma experiência riquíssima, que só quem vive tem a dimensão. Imagine a quantidade de museus, exposições, shows, feiras, bienais, espetáculos, mostras de cinema, que eu pude presenciar! As temporadas de espetáculos que fiz! Foi uma experiência marcante, não tem como sair imune disso tudo, mas eu sabia que voltaria para o Rio Grande do Norte em algum momento, porque sempre alimentei o desejo de contribuir com os lugares que eu gosto, de onde eu venho e sou. E sei que posso e quero muito colocar meu trabalho à disposição das classes menos favorecidas de nossos lugares, principalmente Apodi e Mossoró que são os municípios que eu tenho uma relação muito forte. Sempre, desde o início de minha trajetória, tive esse olhar porque é o lugar de onde venho. Não posso, não devo, e não quero esquecer isso.

 

OM: Você tem sido um crítico ferrenho dos editais da Lei Aldir Blanc. O que tem lhe irritado tanto?

DA: Me irrita ter consciência de que estamos numa estrutura velha, porém poderosíssima, sem espaço para nós, da classe trabalhadora. O que está acontecendo com os fazedores e fazedoras de cultura do Brasil através da má gestão dos recursos da Lei Aldir Blanc é apenas a continuidade do que acontece cotidianamente nos serviços públicos em todas as esferas: vá na Unidade Básica de  Saúde do Abolição IV em Mossoró para ver como as pessoas são tratadas, necessite ir na Central do Cidadão, observe o que buscam numa blitz de trânsito, e uma fila para cirurgia de urgência no Hospital Tarcísio Maia, e a maneira da polícia abordar um jovem pobre da comunidade da Baixinha, e o que recebem nossas garotas e garotos que estudam na escola pública, como são escolhidos os diretores das escolas municipais de Mossoró, uma sessão de câmara municipal… então, se tudo que vivemos é essa tragédia, não tem como sorrirmos na Lei Aldir Blanc porque será tragédia também. Se vivemos numa sociedade desumana, desigual, não temos como esperar outra coisa dos editais da Lei Aldir Blanc. É só uma continuidade do contexto geral. A lei foi uma luta do setor cultural e é de emergência, para assistir e amparar a fazedora e o fazedor de cultura do Brasil. Mas a esperteza de quem gere é tão grande que estão passando os que deveriam ser atendidos pela lei para trás. Antes dos lançamentos dos editais eu já alertava que a maior parte do setor cultural não iria ter acesso aos recursos. Os editais para esta lei deveriam ser especiais, para chegar nos mais necessitados. Em Mossoró foi e ainda está sendo um absurdo, cheio de ilegalidades, e o Ministério Público que deveria ser nossa voz se engasgou e não se pronuncia. A gestora da Lei em Mossoró é Joriana Pontes, que tem seus espetáculos altamente beneficiados pela lei, e ela tem acesso a todos os projetos e membros da comissão de avaliação. Teve edital que não deu nem tempo de haver recurso por parte de quem não concorda com alguma seleção porque a Prefeitura divulgou num domingo e já chamou os aprovados para assinar no mesmo dia. O café da manhã que a secretária de cultura de Mossoró Isaura Rosado fez com o pretexto de entregar os certificados dos aprovados em véspera de eleição onde sua cunhada Rosalba concorria, é algo de cunho eleitoreiro e irresponsável. E tem tanta coisa irregular que é só ver os vídeos e textos que escrevi sobre, nas redes sociais. É tanta coisa que a gente não sabe nem o que dizer. Não é normal. Em Apodi pegaram o edital de Mossoró, que é absurdo, e copiaram. Copiaram com tanta perfeição que não tiraram nem o nome de Mossoró, de forma amadora, sem consulta ao setor cultural e sem tempo para divulgação, sem preocupação nenhuma com isso, tendo a maior parte de nosso setor cultural sem nem saber o que estava acontecendo, sem espaço para os mestres e mestras de Apodi e tantos outros que sobrevivem disso. Lúcia Paiacu Tabajara há anos está numa luta para construir o espaço físico do Museu Indígena Luíza Cantofa na beira da Lagoa do Apodi, e precisa ficar adulando por um espaço no edital, e a Prefeitura ignora. Isso é uma afronta ao que a gente tem direito. Os recursos são do setor cultural, não são das prefeituras não. Em Mossoró a secretaria está usando a falta de informação de uns e conivência irresponsável de outros para aglomerar e fazer uma programação natalina às custas da Lei Aldir Blanc, que não é esse o papel, de cumprir as lacunas da Prefeitura de Mossoró, que foge da sua responsabilidade durante o ano inteiro e encontra nos quase dois milhões que vieram para o setor cultural, uma forma de se promover, botando o fazedor de cultura para assumir uma responsabilidade que é do poder público. Eu tenho respeito pelo que faço e pelas pessoas, não tenho como ser a favor disto.

 

OM: Passada esta ebulição da Lei Aldir Blanc, o que você espera que aconteça em termos de fomento à cultura potiguar?

DA: Não espero nada, infelizmente. Não há grandes perspectivas. Aliás, quase nenhuma. A maior parte dos gestores, e isso fica muito claro através dessa lei, não têm compromisso nenhum com a cultura, e foge do papel que ela precisa desempenhar. Enxergam cultura apenas como geração de emprego e renda, e não como um bem de direito de todos, capaz de transformar a sociedade, que lhe dá identidade. Não espero que a Lei Aldir Blanc melhore alguma coisa porque ela é emergencial, veio para atender a maior parte do setor cultural e o que a gente vê é que vai atender, na maior parte dos casos, a uma parcela já privilegiada. Nos editais de Mossoró não consigo enxergar a periferia representada, e muito menos a zona rural, que foi limada do processo, sem direito a choro nem vela. Em Apodi, que tem uma zona rural muito forte, com muitos mestres e muitas mestras, a coisa parece ser pior, porque não há nem espaço de inscrição. No edital da Fundação José Augusto minha companheira Renata Soraya e eu conseguimos escrever e inscrever muitos projetos para os mestres e mestras de Apodi, porque sabemos que ninguém iria fazer isso, se não fizéssemos. Mas tudo se resume a “ato heróico”, porque lutar contra essa estrutura é muito desgastante, porque você acaba chamando para si as responsabilidades e olhar que o poder público deveria ter, e isso gera revolta nas administrações que conseguem boicotar quem grita, deixando a gente como vilão, até para uma parte de trabalhadores como nós, que nem percebem que são de nossa classe trabalhadora também, e ficam como escravos à serviço da casa grande. O movimento Fãs de Isaura Rosado, em véspera de eleição em Mossoró foi uma das coisas mais tristes que já vi por aqui, de enojar e envergonhar, patético. A classe trabalhadora oprimida pedindo a bênção da casa grande, atrapalhando a luta coletiva. De uma mesquinhez que mostra que precisamos de pessoas novas, com novo pensamento, para ajudar nesta balança que pende para o lado desta estrutura. Eu acredito nisso: na conscientização da classe trabalhadora, e isso não vai acontecer por esse setor artístico que só pensa no umbigo não. Que venha gente nova! Topei essa luta para mostrar a turma nova que tá chegando agora que não existe apenas uma forma de agir não.  Mesmo assim tenho esperança na classe trabalhadora, com a chegada de gente nova e com visão crítica, sem vícios. Nas gestões não acredito não, porque elas fortalecem essa estrutura opressora que jamais dará a liberdade que os trabalhadores precisam.

 

OM: Como você avalia as gestões culturais do Estado, e as atuais em Mossoró e em Apodi?

DA: Tenho muito respeito pelo amigo Crispiniano que está à frente da Fundação José Augusto, mas isso também não significa que há esperança no Governo do Estado. Vejo sempre as mesmas pessoas que estiveram esses anos todos, em inúmeros momentos na própria Fundação e isso não trouxe modificações profundas. Os editais da Fundação José Augusto, se você ler, são mais sensíveis, feitos por gente mais preocupada e preparada, e por eles conseguimos inscrever os mestres de Apodi. Mas a estrutura continua sendo a mesma. E como diz Paulo Freire, não adianta somente trocar as pessoas e permanecer na mesma estrutura vigente. Nossa luta é pela queda desta estrutura desgastada que não atende o setor cultural. Em Mossoró é uma tristeza encontrarmos um discurso de terra que apoia a cultura mas que você só encontra a política de eventos que Isaura Rosado tanto lutou e ajudou a implementar no estado inteiro pelas inúmeras vezes que também já foi presidente da Fundação José Augusto. Nosso povo, sem conscientização acha o máximo termos esse monte de evento contribuindo para a permanência dessa estrutura dominante mas com as fazedoras e fazedores de nossa cultura totalmente sem apoio. Vejam que o Mossoró Cidade Junina é importante e precisa ser mantido, fortalecido, mas com mudanças profundas em sua estrutura. Essa festa junina tem que aparecer dos bairros e zona rural. Quantos arraiás de bairro que mantinham acesa a chama do São João na periferia foram enterrados? Quantas quadrilhas juninas desapareceram por não ter um mínimo de apoio, quantos trios pés de serra ficam meses esperando um pagamento de 400 reais da prefeitura, enquanto vem uma banda como Aviões e leva 300 mil? O setor cultural mossoroense durante o ano inteiro não tem trezentos mil. O Museu passou mais de uma década praticamente sem funcionar por conta de uma reforma de 300 mil. Não posso ser a favor da manutenção deste modelo. Não dá! Em Apodi também não acredito porque faz parte desta mesma estrutura, serve a este mesmo senhor que Mossoró serve. Eu fiquei dois anos à frente dos projetos culturais do município. Pergunte o que era feito lá, às pessoas da zona rural ou de bairros esquecidos como a Baixa do Caic. Fizemos muito com orçamento pequeno, na base da garra. O caminho que a gente seguiu foi fortalecer a própria cultura de Apodi. Dos bens mais preciosos de Apodi estão nossos mestres e nossas mestras, que eles e elas nem sabiam que eram isso. Quando a gente fala ninguém acredita, mas quando enxergam nossos inúmeros mestres em ação ninguém tem dúvidas da riqueza cultural que é Apodi. Mas lá acontece a mesma coisa de Mossoró. Eu ficava brigando e me desgastando para confeccionar um boneco para um carnaval no valor de 3 mil reais, quando vinha só uma banda de forró de plástico tocar no carnaval e levava cem mil. Eu via a orquestra de frevo da cidade lutar por cinco mil reais por tocada e a Prefeitura pechinchar por quatro mil, e ainda se deparar com a maior dificuldade de pagamento. Não quero mais isso para a minha vida. Tudo que foi feito em Apodi aconteceu porque eu mesmo ia, praticamente sem equipe, montar as coisas, colocava dinheiro meu, muitas vezes, para que as coisas andassem, e eu não podia e nem posso fazer isso. Se for para bancar e me desgastar eu faço sozinho, e ainda assim não tenho dúvidas que será maior que a Prefeitura de Apodi, pois vou de encontro à estrutura que é poderosa mas também é frágil. Se sustenta apenas por dinheiro.

 

OM: O que espera das próximas gestões municipais também nos dois municípios citados?

DA: Não espero muita coisa. Quase nada. Precisamos de gente qualificada para pensar cultura. E isso está em falta. Temos poucos, mas que também não acredito que a presença de uma ou duas pessoas sejam suficientes, para se meter nesses ambientes de gestão, cheios de vícios, de favores, conchavos. Precisaria de um gestor ou gestora de muita coragem, sem dever favores a vereadores, a empresários. E também essa culpa não é só das administrações, porque observo que por dinheiro e privilégio tem companheiros e companheiras que jogam todo o discurso que possuem na lata do lixo. Essa luta que travamos pela Lei Aldir Blanc tem sido reveladora. Se não está servindo para melhorar os editais, está servindo pelo menos para mostrar o lado em que cada um se encontra. É decepcionante ver gente que admiramos, de nossa classe trabalhadora, sendo a favor da casa grande, indo contrário ao próprio discurso. Acredito em novas pessoas que surjam, porque a maior parte das que se encontram aí, está viciada nessa estrutura de poder que é contra o trabalhador. É o momento de surgir gente nova com vontade de fazer ruir a estrutura vigente, que não é por nós.

 

OM: Você fez um trabalho recente de cultura em sua terra natal, Apodi, inclusive no carnaval e agora retornou a Mossoró. O que aconteceu?

DA: Quando recebi o convite para desenvolver os projetos culturais em Apodi eu pensei muito, pedi opinião de gente em que acredito, pensei e pesei muito. Aceitei. O pensamento implementado através dos projetos culturais que desenvolvi em Apodi era pensamento novo, que contemplava Apodi, sem distinção de classe, de cor partidária, mas com um olhar sensível aos menos favorecidos. E assim fizemos e foi muito bom para Apodi. Nossos projetos eram baratos porque eu aprendi ao longo de minha vida a multiplicar o pouco que sempre tive. Com um valor bem menor do que se contratava uma banda para tocar num carnaval eu fazia muito. Fazia porque precisava mostrar às pessoas que era necessário zelar pelo dinheiro público. De um ano para outro a gente reaproveitou até os parafusos porque era necessário que a Prefeitura enxergasse que as coisas não podiam sumir para no ano seguinte comprar tudo de novo, como culturalmente é feito. Então essas coisas simples incomodavam muita gente. E quem vive ali bajulando quem está no poder, querendo um espaço para tirar proveito próprio com o dinheiro público, nos projetos que eu fazia não encontrava espaço, que era tudo barato. Aí dentro da própria Prefeitura eu passei a encontrar muita resistência. Em determinado ponto joguei tudo para cima porque não aceitava, e disse estar fora daquilo tudo. O prefeito foi na minha casa e disse que seria diferente. Não foi. Houve um desgaste que ficou inviável para a Prefeitura e para mim. Reativamos um São João raiz através do projeto Casa de Taipa, fizemos um carnaval sociocultural que valeu muito a pena, um festival sociocultural, uma Caravana Natalina que percorria toda a zona rural, e todos esses momentos não eram isolados mas apenas a celebração de ações que aconteciam durante todo o ano principalmente nos bairros e zona rural. Não deu para atender tudo porque as pernas eram poucas, mas só não me arrependo da experiência por conta das marcas profundas que deixamos. E a valorização dos mestres e das mestras foi algo que arrebatou minha vida. Tenho carinho e cuidado por cada um. Uma vez numa mesa de reunião com o prefeito ele falou para não colocar o Assentamento Frei Damião na rota da Caravana Natalina porque a maior parte das pessoas daquela comunidade, mesmo sendo apodiense, votava em Felipe Guerra. Eu teimei. Sou rebelde. O resultado foi que conheci através da Caravana Natalina um de nossos grandes mestres da cultura popular, Seu Zé da Rabeca do Assentamento Frei Damião. Então, quando olho para Seu Zé da Rabeca, Raposo dos Congos, Dona Celi da Lagoa Rasa (cantadora de dramas), para nosso inventor mestre Chico Augusto, Seu Augusto dos Papangus e tantos outros, eu vejo que valeu muito a pena o desgaste em Apodi. E o prefeito Alan Silveira não é uma má pessoa. É um cara que começou bem, faz obras na cidade, atende as pessoas, mas a gente sabe que isso é o básico que quando se faz parece uma coisa de outro mundo. O que falta a ele é ser melhor assessorado e não bajulado como se fosse uma pessoa que não erra. É perigoso demais quando um gestor público ao seu lado não tem gente para lhe fazer críticas, porque escuta só a bolha que afaga o seu ego. Mesmo assim sou grato pela oportunidade, pela experiência, que não quero repetir em minha vida. Daquela forma não!

 

OM: Como uma pessoa engajada na política cultural, nunca pensou em adentrar ao universo da política partidária, pleiteando um cargo público?

DA: Nunca. Se quisesse teria aceito algum dos inúmeros convites que recebi para sair candidato a vereador nas eleições passadas em Apodi, e muitos convites recheados de  vantagens. Não quis porque a minha arte é poderosíssima. Meus amigos mais íntimos me chamam de doido. Para ser livre se paga um preço alto mas é muito bom poder criticar o que precisa ser criticado, sem dever obrigação a partido ou pessoa qualquer. Este trabalho de pouco mais de dois anos em Apodi criou laços profundos de amizade na zona rural e periferia de Apodi, que se eu tivesse saído candidato a alguma coisa poderia manchar e levantar a possibilidade de que eu estaria fazendo tudo aquilo pensando em candidatura. Acredito que esse era um receio até de uns grupos políticos que compõe a base do prefeito de Apodi. Então é como diz o poeta Antônio Francisco: essa estrutura é feita para não dar certo. Prefiro incomodar com o meu teatrinho, com o meu pensar e falar. Eu não tenho rádio, não tenho TV, não tenho jornal, mas quando bate a indignação para alguma coisa vou na minha rede social e escrevo sobre, gravo vídeo, e assim a gente segue na luta, dando a contribuição que eu acho que posso dar.

 

OM: O que houve com o grupo O Pessoal do Tarará? Por que sumiu?

DA: O Pessoal do Tarará vive em mim, vive em quem por ele passou. Fizemos uma trajetória muito linda, com um grupo que realmente vivia de sua arte, estudava, nos servindo como uma universidade, fazendo arte pública, preocupada com o bem da sociedade, e sou muito orgulhoso quando chego na periferia de Mossoró e as pessoas me conhecem pelo trabalho com O Pessoal do Tarará e não pelo Lampião do Chuva de Bala. Porque o Chuva de Bala pertence ao Corredor Cultural de Mossoró, não pertence à periferia e zona rural. À periferia e a zona rural pertence o espírito d´O Pessoal do Tarará que por tantos anos desenvolveu trabalho nessas comunidades. Tem gente que entrou na universidade por causa do trabalho do nosso grupo em sua comunidade, e até hoje as pessoas me cobram muito. A gente parou quando cada um foi buscar outras perspectivas para a vida: eu mesmo fui para São Paulo trabalhar com meu mestre, Alana Azevedo terminou um doutorado esse ano, Maxson Ariton que saiu da Baixinha para o grupo é proprietário da Tapioquinha Maria Bunita, Rosi Reis tinha o sonho de ser mãe e está vivendo esse momento com Antônio Marcos, Elzimário Macário faz seus espetáculos, e assim mantemos uma amizade muito forte e vontade enorme de retomarmos as atividades enquanto grupo mas não forçamos nada porque o momento será no tempo certo. Mas a luta não para, não parou. Eu digo sempre que o que move O Pessoal do Tarará está muito vivo porque o que nos juntou continua movendo cada um, seja lá no que estiver fazendo.

 

OM: Como está sendo este período de pandemia para você, enquanto artista?

DA: Fico louco, incomodado, às vezes não durmo, porque tenho necessidade de fazer algo na periferia de Mossoró. Mas não podemos aglomerar. Pela irresponsabilidade de muitos, do poder público e das pessoas comuns mesmo, o Corona Vírus ainda é muito forte. As pessoas não entenderam que a pandemia não acabou e assim aglomeraram, fizeram carnaval na campanha política, festas e por aí vai. Não posso dar esse exemplo mesmo morrendo de vontade em estar na Baixinha, no Belo Horizonte, no Santo Antônio, fazendo algo para melhorar isso, para manter a esperança. Como não posso, criei junto com minha companheira Renata Soraya um sarau chamado ALUMIAR, que reúne tanta gente boa, tanto artista do Brasil inteiro, que seria impossível juntar de forma presencial. Então estamos atravessando. Estou pensando muito com minha companheira, lendo juntos, assistindo juntos, trabalhando juntos o meu teatro e a dança dela, pensando em Diadorim, nossa filha que nasceu durante a pandemia, pensando no mundo que queremos oferecer a ela e sua geração, para que não receba essa tragédia em que vivemos.

 

OM: Algum novo projeto em andamento?

DA: Muitos. Como diz a nossa amiga Tony Silva “artista é como formiga. Não para nunca”. Queremos ir para a periferia, queremos muito poder jogar esperança de que isso vai ser melhor, que vão surgir novos artistas, que nem todos pensarão em si apenas. Queremos trabalhar com crianças e adolescentes, porque é necessário construir gente com pensamento diferente do senso individualista que impera atualmente. É necessário esperança. E mesmo sendo realista, tenho esperança. Como diz nosso mestre Amir Haddad, “a esperança é a penúltima que morre e o ator a última. Enquanto houver um ator, há esperança”.

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