Empossado presidente, Milei promete ajuste duro na Argentina

Populista de direita discursou na escadaria do Congresso diante de apoiadores e jurou reconstruir país endividado, com economia em frangalhos e inflação que chegará aos 250%.

Novo presidente da Argentina, o populista de direita Javier Milei, 53 anos, tomou posse na manhã deste domingo (10/12), em uma cerimônia na Câmara dos Deputados, em Buenos Aires, após receber a faixa e o bastão presidencial das mãos de seu antecessor, o peronista Alberto Fernández.

Ao discursar na escadaria do parlamento diante do público que o acompanhava do lado de fora, Milei – o 12º presidente eleito em 40 anos de democracia ininterruptos – prometeu começar a reconstruir o país, mergulhado em uma crise econômica crônica, com uma inflação que deve chegar a 250% até o final do ano, e 40% da população vivendo na pobreza.

A escolha de Milei pelo discurso na escadaria do parlamento marca uma cisão na história da democracia argentina, ao mesmo tempo em que é coerente com a retórica antipolítica do autointitulado “anarcocapitalista“, que diz querer falar com o povo e não “com a casta” – ou seja, com os legisladores eleitos para representar esse mesmo povo, e de cujo apoio ele depende para governar.

Ainda assim, tranquilizou seus colegas de classe ao afirmar que seu governo não será “um projeto de poder, mas sim um projeto de país”. “Não viemos para nos vingar. Receberemos de braços abertos todos que queiram se somar à nova Argentina.”

O que Milei terá pela frente

Ao longo dos quatro anos de mandato, terá como desafio lidar com o alto endividamento da economia argentina perante o Fundo Monetário Internacional (FMI), a desvalorização do peso perante o dólar e um Congresso fragmentado.

Ao discursar neste domingo, ele prometeu um ajuste fiscal da ordem de 5% do PIB, a ser custeado “quase inteiramente” pelo setor público, bem como o fim da emissão monetária. O “Estado presente” de que falam os políticos é, para o líder argentino, um pretexto “para justificar o aumento descomunal do gasto público que só os beneficia”.

Segundo ele, o “plano de choque” deve impactar negativamente o nível de atividade econômica, o emprego, os salários reais e os índices de pobreza, mas é necessário diante da situação “crítica e de emergência” da Argentina.
“Infelizmente, tenho que repetir: não há dinheiro. A conclusão é que não há alternativa ao ajuste e não há alternativa ao choque.”

Milei também destacou que a estagflação – condição que combina crescimento econômico estagnado e altas taxas de desemprego e inflação – “será o último golpe” antes da “reconstrução da Argentina”.

Milei também abordou questões sociais, como a violência e a pobreza, citando o “sequestro” de Rosario pelo narcotráfico e o “abandono” dos cidadãos por parte da classe política, com apenas 3% dos delitos sendo condenados, além do “tecido social completamente rompido” pela pobreza, com 20 milhões de argentinos sem “uma vida digna” e 6 milhões de crianças famintas ou entregues às drogas – problemas que pretende resolver “com mais liberdade”.

Lamentou ainda o quadro atual na saúde e na educação pública, áreas que pretende privatizar. Quanto à segurança pública, uma de suas principais plataformas de campanha é a flexibilização do acesso a armas de fogo.

Bolsonaro acompanhou posse e foi recebido por Milei um dia antes

O ex-presidente Jair Bolsonaro compareceu à cerimônia, ao lado de líderes em exercício como o chileno Gabriel Boric, o uruguaio Luis Lacalle Pou, o paraguaio Santiago Peña, o ultradireitista húngaro Viktor Órban e o ucraniano Volodimir Zelenski, que faz sua primeira viagem à América Latina.

Milei com a faixa presidencial segura o bastão e cumprimenta Fernández
Milei recebeu a faixa e o bastão presidencial das mãos de seu antecessor, o peronista Alberto FernándezFoto: Matias Baglietto/REUTERS

Já o Brasil, pela primeira vez nos 40 anos de democracia argentina desde o fim da ditadura militar, não foi representado na posse pelo seu presidente, mas pelo ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira, num claro sinal de esfriamento das relações bilaterais – os ataques de Milei ao Mercosul e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixaram o governo brasileiro ressabiado.

Bolsonaro, que chegou a Buenos Aires acompanhado por uma comitiva de 50 pessoas, foi recebido no dia anterior pessoalmente por Milei e membros do seu gabinete de governo.

Assim como Lula, o colombiano Gustavo Petro e o boliviano Luis Arce também não compareceram pessoalmente à posse.

Após discursar na escadaria do parlamento, Milei quebrou o protocolo e desceu do conversível que o levaria à Casa Rosada, sede do Poder Executivo, para percorrer parte do caminho a pé, saudando apoiadores.

Quem é Javier Milei

Milei ascendeu ao mais alto cargo do país com uma maioria de 55,69% dos votos, surfando no descontentamento dos argentinos com um sistema político incapaz de remediar uma economia em frangalhos, após uma breve carreira como deputado eleito em 2021.

Ele foi regularmente comparado durante a campanha ao americano Donald Trump e ao brasileiro Jair Bolsonaro, políticos de ultradireita que viraram o mundo político do avesso em seus países, mas acabou moderando o tom após uma campanha marcada por excentricidades, como quando brandiu uma motoserra, puxou coros de xingamentos contra adversários e afirmou que o aquecimento global era uma mentira.

Em mais um recuo de Milei, uma representante do governo que lidera as negociações climáticas em nome da Argentina na COP28 anunciou neste domingo que o país continuará no Acordo de Paris.

“Milei é um liberal, um libertário, e ele acredita nas forças do mercado. E o mercado exige a inclusão de medidas para lidar com as mudanças climáticas”, afirmou Marcia Levaggi à agência de notícias Reuters.

Ex-músico de uma banda de rock, ex-jogador de futebol na juventude, economista de formação, Milei começou a ganhar tração no espaço público em 2016, como comentarista de televisão e defensor de princípios “libertários”.

Ele defende o porte de armas de fogo, é contra o aborto e a educação sexual nas escolas e considera as mudanças climáticas “uma farsa”. Também se associou com apologistas da última ditadura do país (1976-1983). Sua vice é Victoria Villarruel, que tem histórico de questionar os sangrentos crimes cometidos pelos militares. Durante a campanha, tal como Trump e Bolsonaro, denunciou sem provas que o pleito corria o risco de ser “fraudado”.

ra/le (epd, EFE, AFP, Reuters, ots)

Deixe um comentário