E ASSIM…
Clauder Arcanjo*
(Pintura “Duas Amigas”, de Ernesto De Fiori)
Para Enéas Athanázio
E assim o dia se despediu de mim sem muito avisar, de uma forma discreta, quase disfarçada. Quando procurei pelo sol, a noite já se instalara por todos os cantos. E, com a escuridão, a tristeza bateu-me à porta, pedindo para entrar.
E assim como eu me encontrava sozinho, e sem perspectiva alguma de companhia, abri a porta e ela se sentou ao meu lado. Trouxe-me lembranças que eu jurava que estavam soterradas pelos anos. Qual nada! Dona Tristeza tem um alforje de dimensões infinitas. De início, a infância. Medos, receios, quedas, aprendizados. Pouco depois, a meninice. Um apanhado de reminiscências correu diante dos meus olhos em velocidade aterradora. Não sem deixar no meu rosto algumas lágrimas e pouco riso.
E assim, entre páginas do ontem, e na companhia da senhora Tristeza, o anoitecer se arvorou imperial e tangeu para longe o manto diáfano do sono. Quando tentava repousar, ela sacudia-me com os arrepios dos fantasmas de outrora.
E assim a madrugada se esticou e, de repente, eu me cansei daquilo tudo. Larguei a cama, vesti-me e ganhei a rua. Lá fora, flagrei um luar tímido, desses que não atraem nem os apaixonados pela boêmia. Sem rumo, desci em direção ao rio. Chegando à ponte, passei a ouvir o plácido caminho das águas por entre as pedras, corrente em direção ao mar.
E assim esqueci o tempo, e o tempo se esqueceu de mim. O luar cansou-se de ser fingido e resolveu assumir foros de luarada. Seu brilho metálico marcava as águas e delineava as curvas dos remansos. Com pouco mais, um coaxar de sapos. Vibrante e compassado. Aprendi, não sei onde, que é sinal dos machos a atraírem as fêmeas para a reprodução. Seguiu-se, então, o voejar das corujas e dos morcegos em direção ao campanário da Matriz. Quando infante, aquilo me traria com certeza o medo. Mas assisti a tudo com a atenção de um cativo admirador.
E assim a manhã se anunciou sem rompantes. De início, um trinado distante. Para, logo depois, o sol se apresentar por sobre a barra do nascente, tingindo de ferrugem a copa das carnaubeiras e as cumeeiras das casas mais altas.
Regressei para casa. As ruas ainda vazias, apenas o bulício das panelas nas cozinhas a prepararem o café da manhã.
E assim voltei para a minha cama, e o dia chegou a mim. Não sei se… Pouco importa, certas coisas não surgem para serem entendidas, apenas são. Sem mais assim.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.