Domingo em Roma

Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN

Roma. Março de 2001. Domingo da Ressurreição. Um céu incomparavelmente azul envolvia a cidade. Nenhuma nuvem assombreava qualquer ponto daquela abóbada belíssima, fascinante e infinita. Uma claridade mística parecia guiar milhares e milhares de visitantes. Peregrinos ou turistas de todas as partes do mundo. Os romanos exibiam uma alegria contagiante. Acolhedores e prestimosos. As sete colinas, como na época dos cézares e da república anterior ao império, resplandeciam magnificentes. Gerando um cenário que o fluir dos tempos não afetara. Tampouco deformara. Ainda hoje parecem espetar o infinito. A História apenas testemunhara grandeza, fragilidades e contradições da condição humana.

Éramos seis. Três casais: Madalena e Ernani Rosado (saudoso e inesquecível), Lenise e Araken Pinto (também saudoso e inesquecível), Dadaça e eu. Aproximadamente às 10h00min horas saímos do hotel na via Nazionale. Estávamos inebriados pelo encanto da cidade. Fomos a pé para a Basílica de Santa Maria Maggiore, que, de todas as grandiosas basílicas romanas, apresenta a maior mescla de estilos arquitetônicos. Participamos da missa às 10h30min horas. Depois, de táxi, por insistência minha, visitamos, além das muralhas de Aureliano, as Basílicas de “Santa Cruz de Jerusalém” e “São João de Latrão”, as mais antigas da Cristandade. Construções do reinado de Constantino. Dali seguimos para as termas de Caracalla. Mas nosso objetivo era outro: a via Áppia. Essa estrada, também chamada de “Regina viarum” (Rainha das vias), foi começada por Áppio Cláudio em 312 a.C. Todos os governantes de Roma, até o imperador Adriano em 119 d.C., aumentaram-lhe o percurso. Era a estrada para os portos, para o Mediterrâneo: o acesso de Roma para a Grécia e o Oriente. Atravessamos, a pé, a “Porta Áppia”, também chamada de “Porta de S. Sebastião”. Na via Áppia estão as catacumbas de S. Calisto (a primeira de todas, usada a partir das perseguições de Calígula e Nero), S. Sebastião e S. Domitila (mártir, apesar de sobrinha do imperador Domiciano).

Queríamos chegar à capela Quo Vadis, onde S. Pedro teve a visão de Jesus. Nero perseguia os cristãos, no ano 67 d.C., acusando-os de responsáveis pelo incêndio de Roma, que, ele próprio, insano e sanguinário, concebera e determinara. Os cristãos suplicaram a Pedro para deixar a cidade, até cessarem as hostilidades. O Apóstolo concordou, mas não foi muito longe. Ao chegar à Porta Áppia encontrou outro viajante, que se apressava por chegar a Roma. S. Pedro reconheceu a Sua figura, o Seu rosto; tinha-O ouvido pregar, morrer, ressuscitar, subir aos Céus: – Quo vadis, Domine? (Para onde vais, Senhor?). E o Outro responde: – Vou a Roma para ser crucificado pela 2ª vez. – A visão desapareceu, mas as pedras da via gravaram marcas de pés. Onde está a capela, ao lado das marcas, S. Pedro deixou seu cajado e retornou a Roma. Pedro e Paulo foram presos e recolhidos à prisão Marmetina. Pedro foi crucificado de cabeça para baixo no monte Vaticano, onde se ergueu a Basílica em seu nome. S. Paulo, por ser cidadão romano, foi decapitado no Campo dei Fiori. Curiosa e paradoxalmente, séculos e séculos mais tarde, no mesmo lugar, era imolado, numa fogueira, Giordano Bruno, vítima da crueldade, bestialidade e ódio da Inquisição: a antítese do amor.

Os cristãos chacinados por Nero no Circo Máximo (o Coliseu foi inaugurado em 80 d.C.) foram enterrados nas catacumbas de S. Calisto. Nos despojos estão cópias dos hinos cantados em pleno martírio. Um dos mais belos é este: “Ao amanhecer, de um glorioso dia, em triunfo, o Filho de Deus ressuscitou, e as trombetas dos anjos O saudaram: Cristo é Rei, Cristo é Rei, Cristo Reina, Cristo Vence, Aleluia. Erga os olhos e o coração, para a glória do Senhor. Ele reinará eternamente”.

Naquele dia, mais tarde, assistimos à benção “Urbi et Orbi” de João Paulo II no Vaticano. Dali seguimos para o PANTHEON, que é considerado a obra arquitetônica melhor conservada de Roma Antiga. Sua construção foi concluída aproximadamente em 27 a.C. pelo cônsul Marco Vipsânio Agripa, sendo imperador Augusto. Posteriormente, o imperador Adriano o reconstruiu em sua forma atual no ano 126 d. C. Seus visitantes são arrebatados em êxtase irreprimível. Seguimos dali para a Piazza Navona, uma das áreas mais visitadas da cidade. Almoçamos num restaurante quase em frente à embaixada do Brasil e da Fontana dei Fiumi, de onde Mario Lanza, no filme “As sete colinas de Roma” (1957). cantou “Arriverdeci Roma”. A Fontana também foi cenário de epílogo do filme “Anjos e Demônios” (2009) com Tom Hanks.

Era tardinha quando estávamos na Fontana de Trevi. Ali Frederico Fellini dirigiu a famosa cena (o banho) do filme “A doce vida”, interpretada por Marcello Mastroianni e Anita Ekberg. Quase noite e o céu, sem nuvens, exibia uma tonalidade violeta. Corações enternecidos, orávamos para que os cristãos jamais esqueçam o sentido da mensagem: “QUO VADIS, DOMINE?” Saudosos de Ernani e Araken, partilhamos, agora com eles, espiritualmente, o dia vivo na fé e na saudade.

A noite lentamente começou a cobrir a Cidade Eterna. Encerrando o périplo, sentámo-nos em calçada da Via Veneto, palco também do filme que imortalizou Fellini. E sonhamos até hoje, revendo tudo quanto aquele dia nos reservou…

Publicado na Tribuna do Norte

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