Diferenças do casamento da filha do rico para a do pobre

Gutenberg Costa – Escritor, pesquisador e folclorista

Neste domingo, vou começar recordando uma antiga expressão popular muito dita nas cidades interioranas desse nosso querido e anfitrião Nordeste: “Visita em casa de pobre é desgraça de galinha”. Também já ouvi que em casa de pobre: “Ladrão morre de susto!”. Com certeza, o larápio não morre de fome, mas sai com raiva por não achar dinheiro e ouro…

Pobre mora em casa, já rico, em condomínio bem fechado ou em apartamento bem alto. A última vez em que estive bebendo em mansão de rico, saí embriagado de ver tanto luxo, etiqueta social e pouca comida na mesa. Deixo claro aqui que não adianta me forçar, que eu não vou citar o santo e sim o milagre. Contarei duas histórias presenciadas por mim: uma festa de casamento da filha de um rico em Natal e a outra de um pobre na cidade de Eloy de Souza.

Situações completamente diferentes, mas que me marcaram para sempre! Certa vez, ouvi no mercado velho de Mossoró o dito popular de um freguês do ponto de refeição em que eu estava e este, sentado ao meu lado: “Muita farofa é sinal de pouca carne!”. Bem, vou começar pelo ‘enlaçe matrimonial’, com convite impresso muito luxuoso que recebi de um certo rico para participar dos festejos de sua filha, em uma casa de recepções, em Natal. A dita festança da filha do rico deu-se num desses salões de recepções com muito requinte e decoração cinematográfica. Inúmeros fotógrafos, cinegrafistas e seguranças. Mesas ornamentadas e violonistas acompanhando a bela noiva na triunfal entrada da festança. Muitas fotos, abraços e sorrisos. Coisa só visto em filmes de Hollywood.

Vi de tudo que se possa imaginar, agora comida que era boa para a ocasião – nada! Eu elegantemente vestido, com terno e gravata, como manda o figurino, fiquei esperando sentado por horas, vendo o glamour ambiental dos tais ricaços. Era quase início de noite e eu não havia jantado em casa, pensando que ali haveria comida e mesa farta. Quando não aguentei mais, chamei um garçom. Como diz o povo: “Saco vazio não se põe em pé!”: Amigo, me arranje, até pelo amor de Deus, uma dose de uísque e algo para o meu tira-gosto. Levei um choque de 220 volts, quando o mesmo disse que só tinha ordem para servir depois das fotos e filmagens dos recém jovens casados. Com muita insistência, supliquei-lhe que trouxesse escondido algo que aliviasse a miséria da minha barriga, que já estava até roncando. Este, educadamente, desculpou-se e deu-me a esperança de voltar com a dose e uma coxinha tão desejada. Sempre faço logo amizade com os garçons em ambientes requintados. Estratégia e arte de quem sabe beber e comer bem em festas.

Haja rituais do então casamento, para o garçom, com medo, trazer-me o meu pedido. Copo de uísque na mão e uma coxinha de frango no bolso. Espião da segunda guerra mundial, nem desconfiaria do coitado. Regras são regras. E com rico não se brinca. Disse-me que até as garrafas vazias iam ser devidamente contadas. A sobra seria levada pelo pai rico da noiva de volta para casa, com a velha desculpa, de que seria para os cachorros. Avisou-me, para meu espanto, que o jantar mesmo, só seria servido com pompas às 23 horas. Dizem que nem o diabo suportou fome por 40 segundos!

Contrariado com tanta demora gastronômica, tomei a bebida em um só gole, mastiguei logo a coxinha e muito ligeiro e desconfiado “capei o gato”, em disparada até a esquina e peguei um táxi para retornar a minha casa a procura de um jantar típico sertanejo e bem nutritivo. Quem me conhece sabe muito bem que em minha morada, graças a Deus, a garrafa de café está sempre cheia em cima da mesa e não falta alguma mistura pronta para uma visita de surpresa, seja que hora for. Como me dizia o amigo, poeta popular paraibano, José Costa Leite: “Dá pra enganar as tripas!”.

Quando me casei, minha saudosa tia materna, Zefinha Medeiros, deu-me um conselho de presente: “Berguinho, não deixe de ter em sua casa uma imagem de Santo Onofre. Nunca ocorrerá falta de comida em sua mesa, pois o santo morreu no deserto e com fome!”. Conselho para o bem, eu sigo a risca, não importa o santo! E desde esse longo tempo que “fujocomo o diabo da cruz” de certos ambientes luxuosos, traumatizado ainda com a espera e a fome que passei na festa do casamento da filha do tal rico lá na minha amada Natal.

 

Bem, agora vamos ao casamento da filha do pobre… que é outra história. Divertida e com fartura ao contrário da do rico. O finado chato estilista, o Denner Pamplona, preferia o luxo e as etiquetas. Eu, particularmente, gosto da simplicidade e das conversas em latadas ou debaixo de mangueiras frondosas. Regadas a café, caldos e boas risadas.

O casamento da filha do pobre agricultor foi especial e eu nunca o esqueci. Fico rindo quando o recordo em pequenos detalhes. Ocorreu em uma manhã de sol, na pequena e acolhedora cidade de Eloy de Souza. Eis que, estando por lá na casa de um amigo, fomos convidado às pressas para uma festinha de casamento da filha de um pobre da região. Fui sem convites impressos e mesmo sem uma lembrancinha, como me ensinara os pré- requisitos da boa visita de dona Maria Estela: “Não vá de mãos abanando a canto algum!”.

Chegando a referida festa, o pai da jovem filha recém casada, muito preocupado com minha presença, foi logo me dizendo em cima da bucha: “Dotô, me adesculpe, a mesa desocupada aqui só tem três pernas, mas encostada na parede não cai não, senhô. E me perdoe o senhor se assentar num tamborete velho”. Vendo-me tranquilo e alegre com a sincera recepção, foi logo tratando de me apresentar o casal feliz de nubentes. Ainda estavam vestidos tal qual na Igreja Católica, há pouco tempo. Os dois sorrindo sem medo do futuro e sem preocupação com os resultados da mega sena.

O pai da moça pobre, não arredando da minha mesa, começou indagando-me: “O dotô que bebe celveja, vinho, uísque, cachaça, rum montila, conhaque ou batida de maracujá?”. “E o quê o dotô vai querê pra fazê a parede?” E emendou sem perder tempo o velho pai, que de pobre não tinha nada: “A gente tem perparado nas panela de barro: guiné, galinha caipira, poico, carne assada, guiné torrado, picado de carnêro e de poico, pato, farofa, arroz, macarrão, buchada de carneiro, cabeça de bode, panelada, feijão verde e feijoada!”. Fartura que só em tempo de eleição nas fazendas dos antigos coronéis nordestinos aos seus eleitores encabrestados!

E eu como estava na frente da casinha, ainda deu para ouvir o bom “forró pé de serra” animando os convidados do casamento pobre lá no terreiro do fundo do quintal. Zoadeira boa pra três dias. Não seria correto chamar essa festa de pobre, pois “pobre é o cão!”, como já dizia a velha máxima tão ouvida na feira do meu Alecrim.

E ainda acrescento aos leitores e leitoras para dar por encerrada estas duas longas histórias: Pobre? Somente, conheço a dupla – a miséria e a fome! Como dizia minha saudosa e sábia mãe, dona Estela: “Meu filho, rico de verdade é aquele que tem saúde, casa própria e não deve dinheiro a ninguém!”. Neste domingo, não vamos almoçar, sem antes agradecer a nossa fartura e lembrar dois santos da fome brasileira, Betinho e Dulce da Bahia!

 

Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.

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