Decreto de Álvaro Dias na eleição de Natal

Ney Lopes – jornalista, ex-deputado federal, professor de Direito Constitucional da UFRN e advogado

Em debate político e jurídico, o decreto editado pelo prefeito Álvaro Dias, que amplia na eleição municipal de Natal regras de segurança sanitária, proibindo caminhadas, carreatas, passeatas, comícios e reuniões, com mais de 100 pessoas, atividades que, por sua própria natureza, promovem aglomeração de pessoas e concorrem para o contágio pela Covid 19.

Antecipando o respeito por decisão judicial a ser prolatada, considero oportuna e legal a decisão do Prefeito de Natal.

Senão vejamos.

O plenário do STF decidiu, que os artigos 23 e 24 da Constituição, consagram a “competência concorrente” entre União, Estados e Municípios, no âmbito da proteção e defesa da saúde coletiva.

Em relação aos municípios foi reconhecido, que cada um tem especificidade, estratégia e a forma de lidar com a crise.

Isto significa, que no âmbito de seu território, os municípios adotam medidas, de natureza complementar, em função da realidade local. O decreto municipal de Natal disciplina a complementação de regras de segurança sanitária, exercendo a competência atribuída ao município pela Constituição (artigo 30, I), por tratar-se de matéria do “interesse local”.

A propósito, o TRE-RN já emitiu nota sobre aglomerações, ratificando o entendimento do STF e a autonomia dos municípios para definirem e fiscalizarem o cumprimento das regras sanitárias estabelecidas por eles próprios.

A Emenda Constitucional 107/20, artigo 1° § 3°, inciso VI, define essa competência, ao estabelecer que os atos de propaganda eleitoral não poderão ser limitados pela legislação municipal ou pela Justiça Eleitoral, salvo se a decisão estiver fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional.

Note-se que está em pleno vigor, o Plano de Segurança Sanitária para as Eleições Municipais de 2020”, aprovado pelo TSE, o qual, para efeitos legais, é considerado prévio parecer técnico elaborado por “autoridade sanitária nacional”, formada por especialistas da Fiocruz e dos hospitais Sírio Libanês e Albert Einstein.

O citado Plano fixa protocolo de medidas preventivas, justamente para aplicação em situações de “aglomeração de pessoas”, conforme prevê o Decreto de Natal, que assim obedece à regra da EC 107/20.

A norma preventiva da Prefeitura de Natal assegura, ainda, o princípio, de que “a saúde é direito de todos” (artigo 196 a 200, da CF), sendo dever do estado reduzir o risco de doenças.

Para dirimir quaisquer dúvidas, ontem, ,6, o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba decidiu proibir carreatas, passeatas e comícios durante a campanha eleitoral no estado, como forma de barrar a disseminação da Covid-19.

Observe-se que na EC 107/20 estão juridicamente igualados os municípios e a Justiça Eleitoral. Se a proibição foi aprovada no TRE-PB é porque o “Plano de Segurança Sanitária para as Eleições Municipais de 2020” atende a exigência de parecer técnico emitido por autoridade sanitária, o que serve igualmente de fundamento para o decreto municipal de Natal.

A turbulência das atípicas eleições de 2020 nascem da omissão do Congresso Nacional, que competiria ter emendado a Constituição para “adiar” as eleições e promover a coincidência de mandatos de 2022, sob o fundamento do instituto jurídico da “força maior”, que existe desde os romanos.

A opção, entretanto, foi preservar os interesses dos “proprietários” de partidos, de “olho aberto” no manuseio dos bilhões do Fundo Eleitoral.

Vários argumentos justificariam o adiamento das eleições municipais, em troca de compromisso público do Governo e Congresso debaterem e aprovarem reforma política para 2022, sem a qual jamais haverá mudança estável no país.

Argumentou-se o impedimento decorrente da cláusula pétrea do artigo 60, § 4º, II da Constituição, que proíbe “abolir” o voto periódico.

A simples interpretação semântica do texto constitucional demonstra, que “adiar” é diferente de “abolir” a periodicidade do voto.

Outro obstáculo seria a regra da anualidade eleitoral (art. 16 da CF). No caso, inexistiria “casuísmo”, mas simplesmente o reconhecimento da “força maior”.

Um fato relevante é que a pandemia exigiu gastos extraordinários, comprometendo o orçamento público. O adiamento economizaria recursos do “milionário” fundo eleitoral e salvaria vidas.

A consequência é que a eleição de 2020 realizada em “estado de calamidade pública” será a mais inautêntica e ilegítima da história política brasileira, pela ausência do eleitor e a impossibilidade dos candidatos se apresentarem à população.

As contradições inoculam o vírus da “farsa”, na já debilitada democracia brasileira.

Infelizmente!

 

 

 

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