Covid-19: Confinados e sem comida, moradores de Xangai fazem “revolta das panelas”

Os moradores de Xangai se manifestaram novamente em suas varandas na quinta-feira (28) à noite na China. Dessa vez, não para aplaudir os profissionais de saúde neste novo confinamento da população, mas para exigir mais alimentos após um mês de lockdown na cidade chinesa. Uma nova demonstração de descontentamento da população chinesa, desta vez com frigideiras e panelas.

Stéphane Lagarde, correspondente da RFI em Pequim

“Peguem suas panelas e bacias e façam barulho!” Um lema simples e um encontro marcado com a população de Xangai através de aplicativos e redes sociais às 19h, 19h30, ou até mais tarde, para bater em qualquer coisa que ressoe o descontentamento generalizado.

Com o surto da variante ômicron, Xangai foi para a varanda contra as barrigas vazias, numa verdadeira “revolta das panelas” nas janelas dos grandes conjuntos habitacionais da megalópole chinesa. Como todos os habitantes do bairro de Puxi, Crystal está confinada há um mês e os suprimentos do comitê de vizinhança estão cada vez mais escassos, segundo a executiva de comércio.

“Só recebemos material do comitê três vezes. O primeiro e o último eram legumes. Mas alguns estavam podres. O segundo tinha arroz e ovos, apenas 30 gramas”, relata Crystal.

As dificuldades de aprovisionamento são compensadas por compras em grupo entre residentes de Xangai, mas os preços das entregas estão explodindo. Daí a nova demonstração de raiva da quinta-feira (28) à noite, que foi imediatamente descrita pelas autoridades chinesas como uma “revolução de cor”, uma referência ao discurso do governo chinês que tenta responsabilizar os estrangeiros pelo descontentamento.

Alguns comitês de bairro reproduzem o discurso oficial através de megafones: “Forças estrangeiras estão incitando o povo de Xangai a protestar contra o trabalho de prevenção e controle da epidemia. Vão para casa”. Aqueles que fizeram as convocações para os protestos com panelas estão em apuros, murmuram os grupos de moradores no popular aplicativo chinês Wechat.

“Todos foram presos no mesmo dia. Os moradores disseram ter visto a polícia entrar em diferentes edifícios. Mas ainda houve muito barulho esta noite. Durou 30 minutos”, contou outra moradora de Xangai, entrevistada pela RFI.

Pelo menos 10 comunidades residenciais estiveram envolvidas na “Revolta das Panelas” da noite passada em Xangai. Alguns protestos foram bem sucedidos, com o comitê de vizinhança prometendo mais entregas dentro de 4 dias.

Em grande parte intocada nos últimos dois anos pela pandemia, o gigante asiático está enfrentando seu pior surto desde 2020. O Ministério da Saúde chinês anunciou mais de 15.500 novos casos positivos nas últimas 24 horas.

Na metrópole de Xangai, de longe a mais afetada e cujos 25 milhões de habitantes estão confinados desde o início de abril, as autoridades relataram 52 mortes na sexta – todas as vítimas não tinham sido vacinadas.

Censura

O confinamento representa um enorme desafio logístico em Xangai, pois 25 milhões de pessoas têm que ser abastecidas apesar da falta de pessoal de entrega.

Os censores da internet chinesa trabalham com afinco para conseguir bloquear os vídeos virais que estão rapidamente fazendo sucesso nas redes sociais chinesas, convocando para os protestos. Os censores trabalham para excluir a maior parte do conteúdo que informa sobre problemas administrativos ou reclamações dos habitantes, uma censura que alimenta enormemente o descontentamento da população de Xangai.

Embora muitos países tenham retirado suas restrições sanitárias após bem-sucedidas campanhas de vacinação, Pequim considera esta estratégia impossível a curto prazo e arriscada demais para seu sistema de saúde.

Zero Covid, uma batalha política

A estratégia “Zero Covid” se tornou um dogma, quase um mantra pessoal do presidente chinês. O país ergueu esta política em 2020 como o símbolo da superioridade do modelo socialista chinês e abandoná-la está completamente fora de questão, pois isso equivaleria a reconhecer o fracasso do estratagema.

O problema, de acordo com Alex Payette, CEO do Grupo Cercius, empresa de inteligência estratégica e consultoria geopolítica, é que a China se encontra em um impasse.

“Você não pode realmente parar a estratégia até que possa reivindicar a vitória. Temos que continuar até o final e mostrar que somos os melhores, que nosso método é superior e que não podemos abandonar o modelo Wuhan. O legado político de ganhar a primeira, a segunda ou muitas ondas está ligado a Xi Jinping e suas conquistas. Se você voltar atrás nisso, isso desacredita tudo o que fez desde o início. Mas esta obstinação pode ter conseqüências extraordinárias e inesperadas”, observa o especialista, “e pode provocar tensões sociais de peso”.

“Há muita resistência. Algumas pessoas estão até reagindo de uma forma muito violenta. Você pode ver que a tensão está aumentando exponencialmente de semana para semana”, explica Payette.

Deixe um comentário