Contradições do governo na agenda climática abalam credibilidade do Brasil

O governo brasileiro participa da Assembleia Geral da ONU e da Semana do Clima de Nova York, esta semana, com ênfase na implementação da agenda ambiental no Brasil desde janeiro. Os eventos servem de vitrine para o país mostrar para o mundo os primeiros resultados positivos em diversas frentes, como o combate ao desmatamento. No entanto, as contradições dentro do próprio governo, entre a ala ambiental e a desenvolvimentista, não passam em branco.

Os estudos com vistas à exploração de petróleo na margem equatorial do país cristalizam esse paradoxo. A insistência da cúpula do Planalto em não abrir mão do projeto, apesar das críticas de ambientalistas, coloca os ministérios do Meio Ambiente e da Fazenda – à frente do recém-lançado Plano de Transformação Ecológica – em uma posição mais que desconfortável.

O ministro Fernando Haddad cumpre intensa programação em Nova York, em especial junto a investidores, para apresentar o programa estratégico de descarbonização da economia brasileira e promover os títulos verdes que deverão ser lançados pelo governo, nos próximos meses. O mecanismo visa captar financiamento para projetos sustentáveis no Brasil.

Ao mesmo tempo, ao ser questionado por jornalistas, Haddad admitiu que deve “preponderar uma visão cautelosa de que tem mesmo” que explorar a costa do Amapá, onde estima-se que repousam reservas abundantes do óleo. Também alegou que “quilômetros ali do lado, a Guiana já está explorando”.

Ministros Marina Silva e Fernando Haddad participaram de evento na Bolsa de Valores de Nova York, onde anunciaram o lançamento de "títulos verdes" da dívida brasileira. (18/09/2023)
Ministros Marina Silva e Fernando Haddad participaram de evento na Bolsa de Valores de Nova York, onde anunciaram o lançamento de “títulos verdes” da dívida brasileira. (18/09/2023) © Diogo Zacarias/MMA

Além de ir na contramão do objetivo de descarbonização – já que o petróleo é considerado uma energia do passado por ser uma das maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa –, a perfuração da bacia sedimentar da foz do rio Amazonas ainda acarreta riscos de desastres ambientais na região norte.

“Ainda tem muita contradição dentro do governo e no país, na agenda de clima. Uma delas é esse desejo desesperado do Brasil de explorar petróleo e ser um campeão dessa exploração no mundo”, resume o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. “Você tem que escolher: ou vai ser campeão da agenda das mudanças climáticas, ou vai explorar petróleo até a última gota. Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo.”

Outro exemplo é o Plano de Transformação Ecológica, que faz parte do Novo PAC Desenvolvimento e Sustentabilidade, porém contempla interesses contraditórios: um quinto dos recursos (R$ 335 bilhões) ainda serão destinados a projetos de infraestrutura para petróleo e gás.

Lula adapta discurso à plateia

Incongruências como essas partem do próprio Planalto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem adaptado o discurso conforme a plateia. Na plenária da ONU nesta terça, destinou boa parte da sua fala ao tema. Mas há um mês, na cúpula do Brics, em Joanesburgo, Lula voltou a denunciar o “neocolonialismo verde europeu” – a ideia segundo a qual o aumento das exigências ambientais da União Europeia a seus fornecedores seria uma mera “medida discriminatória” e protecionista.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro líder a discursar na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas. (19/09/2023)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro líder a discursar na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas. (19/09/2023) REUTERS – MIKE SEGAR

Na mesma ocasião, o presidente defendeu “replicar” na Savana africana a experiência brasileira de transformar “o Cerrado em uma área de alta produtividade agrícola”, sem mencionar que o bioma brasileiro hoje é desmatado a um ritmo mais acelerado que a Amazônia. Quase a metade da área total do Cerrado já se transformou em área de cultivo extensivo de commodities, como soja e milho.

“A gente precisa rever conceitos que são antigos. Não há problema nenhum em produzir alimentos na Amazônia ou no Cerrado: você só não pode fazer isso em cima da destruição do bioma. E tem como fazer isso no Brasil”, ressalta Astrini.

Resultados na manga, mas à mercê do Congresso

O ambientalista reconhece que Lula chega “confortável” a eventos internacionais como a Assembleia Geral da ONU, depois de apresentar resultados efetivos como a queda de quase 50% dos alertas de desmatamento na Amazônia e promover a primeira Cúpula da Amazônia, em Belém. O presidente retoma, ainda, o papel de protagonista do Brasil nas negociações internacionais de clima, ao se colocar como porta-voz dos interesses dos países em desenvolvimento.

Na sequência do discurso de Lula na ONU, o Greenpeace também saudou a posição brasileira ante o mundo, porém destacou que “para se firmar nesse lugar e poder cobrar dos demais países de maneira sólida e coerente, precisa abandonar a ideia de abrir novas áreas para exploração de petróleo, lidar com o desmatamento em alta em outros biomas além da Amazônia, como o Cerrado, e superar a visão que o mundo tem do Brasil, de um país exportador de commodities”.

Márcio Astrini salienta que, em Brasília, o presidente tem sido um “aliado” da causa ambiental, mas se encontra à mercê de um Congresso profundamente avesso à questão.

“O Congresso brasileiro é uma bomba-relógio de destruição ambiental. Só no Senado, nós temos projeto de lei que libera agrotóxicos, inclusive cancerígenos e que não são autorizados em outros países. Outro acaba com o licenciamento ambiental, e um terceiro dá anistia para grileiros de terra no Brasil”, observa.

“Enquanto o presidente faz um discurso na ONU, no Congresso tem um pacote para contradizer tudo que ele está falando e colocar em risco as promessas que ele está fazendo mundo afora. E dentro do governo também tem uma ala que caminha em marcha à ré na agenda de clima”, aponta.

Governos progressistas à prova da real politik

A ação prática dos líderes progressistas está na mira dos ambientalistas em vários países do mundo. Nos protestos que deram a largada à Semana do Clima em Nova York, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, era um dos principais alvos dos manifestantes.

O líder americano é acusado de continuar a aprovar projetos de petróleo e gás, apesar de ter adotado o maior plano de transição energética já visto no país.

Ativistas indígenas protestam na Marcha da Semana do Clima de Nova York e pedem mais ação ao presidente americano, Joe Biden. (17/09/2023)
Ativistas indígenas protestam na Marcha da Semana do Clima de Nova York e pedem mais ação ao presidente americano, Joe Biden. (17/09/2023) REUTERS – EDUARDO MUNOZ

Na França, o presidente centrista Emmanuel Macron se vende como um exemplo na pauta ambiental, mas internamente é criticado pela lentidão com que promove a redução das emissões francesas.

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