Considerações sobre o Coronavírus (Covid-19) e quatro lições para a humanidade

Durante a crise do Ebola que matou mais de 11.000 na África Ocidental, Bill Gates afirmou que não estávamos preparados para a próxima epidemia. Em conferência proferida no Canadá em Vancouver intitulada “The next outbreak? We’re not ready”, ou “A próxima epidemia? Não estamos preparados” todo o seu alerta foi colocado para o mundo. O leitor pode conferir no Youtube, legendado em português. No Jornal The New York Times, o célebre fundador da Microsoft afirmou que a boa notícia desta epidemia é que ela pode servir como um alerta, para a humanidade se preparar para uma futura epidemia que venha a se espalhar mais efetivamente que o Ebola. No The New England Journal of Medicine, Bill Gates publicou também artigo alertando a comunidade científica quanto ao nosso despreparo para lidar com a próxima epidemia de caráter global.

Aqui a primeira lição, o descaso com os sistemas públicos de saúde precisa acabar de uma vez por todas imediatamente. Não se pode deixar de considerar que a insuficiência de leitos e UTI’s gera um sobrepreço para quem precisa de um tratamento de saúde mais sério. É a lei da oferta e da procura, prevista na Ciência Econômica, que inevitavelmente permite que os preços dos tratamentos cheguem na estratosfera; ficando a grande massa da população sem acesso aos serviços de saúde. Nesta lição para todo mundo, existe a necessidade de considerarmos que os profissionais de saúde são um caso especial neste cenário, os verdadeiros heróis. Os verdadeiros heróis não são os políticos ou gestores públicos. Movidos por um sentimento nobre, os profissionais da saúde arriscam suas próprias vidas para salvar outras. Espera-se que os recursos públicos sejam efetivamente priorizados para a saúde da população, e que os legisladores aumentem a punição para os desvios de recursos que porventura venham a surgir.

Mas, mesmo na ocorrência dos alertas citados, o fato é que estamos em guerra. Na verdade, a terceira guerra mundial que muitos temiam finalmente está acontecendo. Só que esta terceira guerra tem uma configuração diferente. Não se trata de aviões bombardeando bases militares, de navios de guerra em operações marítimas, ou de mísseis sendo lançados remotamente com elevada tecnologia, atingindo seus alvos; tal como o bombardeio a comitiva do general iraniano Qassem Soeimani, no instante em que deixava o aeroporto de Bagdá, no início deste ano. Nesta guerra todos os povos estão unidos contra um inimigo comum e invisível, o Novo Coronavírus, conhecido como SARS-CoV-2. Até palestinos e israelenses sentam numa mesma mesa para combater o vírus letal. Todas as nações são atacadas por este inimigo único, ao ponto da Organização Mundial da Saúde (OMS) registrar mais de 1 milhão de pessoas diagnosticadas com a Covid-19 em 190 países, com pelo menos 233.300 pessoas curadas da doença. Já o número de mortes superou a 65 mil.

Alguns governantes ainda não se deram conta, infelizmente, de que seus planos de governos tornaram-se obsoletos ou momentaneamente suspensos, enquanto que a prioridade passa a ser evitar mortes. O prefeito de Milão, Giuseppe Sala, admitiu que errou ao apoiar a campanha Milão não para. Mas, isso ele só se deu conta após 5.402 mortes, com 37.298 casos confirmados. A região da Lombardia, na qual Milão fica localizada, tinha 250 pessoas infectadas pelo vírus, com 12 mortes quando se deu a campanha. Isto demonstra que em uma guerra de tão grandes proporções, na economia dos países os estragos são imensuráveis, e os atuais planos estratégicos de gestão ficam inexequíveis. Ajudar a reerguer os empreendimentos e os sistemas produtivos serão projetos para as futuras gestões. Os gestores públicos atuais devem lutar na condução da guerra contra o vírus, contra sua proliferação, e tentar salvar o maior número possível de pessoas.

O que passar do foco de salvar vidas é perda total de tempo e não merece nossa atenção. Numa guerra os valores mudam, os pesos são alterados, e afloram o lado mais sublime e o mais podre também das pessoas. Alguns são solidários, pensam somente na vida das pessoas, e lutam para ajudar a humanidade a continuar sendo humana, desculpem a redundância. Foi o que aconteceu com Frei Don Giuseppe Berardelli, 72 anos, padre na igreja de Casnigo, pequena vila que fica a 64 km de Milão, na Itália. Ele morreu após ceder o respirador que usava na UTI para um paciente mais jovem, que também padecia da Covid-19. Outros, por sua vez, exalam seus egoísmos doentios e materialistas, aos quais não convêm lhes dar publicidade aqui neste pequeno espaço.

Ao que pode ser visto, com a ilustração do exemplo do Frei Giuseppe Berardelli, a segunda lição é sobre solidariedade e fé em Deus. O lado espiritual das pessoas andava meio que fora de moda. Falar em Deus estava em segundo plano. Mas, fomos forçados pelas circunstâncias desta pandemia para sermos pessoas mais solidárias. Um enfoque maior na espiritualidade, para Deus, volta a merecer espaço em todo mundo, independentemente de credo ou religião. Na contramão disto, lamentavelmente, estão acontecendo ações insanas como compra de carregamentos de máscaras já vendidos à Europa pelos EUA, e também dentro da própria União Europeia alguns países estão confiscando entre si material médico. Não é portanto exagero dizer que estamos numa guerra, e que a união entre os povos não é uma unanimidade, muito embora devesse ser.

Noutro aspecto, nesta pandemia inevitavelmente todas as pessoas terão prejuízos financeiros, uns mais e outros menos. A própria legislação da gestão pública prevê mecanismos para o enfrentamento de situações de calamidade e minimização dos efeitos maléficos na economia. A conta existe e deve ser paga, com um Estado forte, e não submisso à eficiência do mercado tão defendida por muitos. Nesse sentido, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD) e o Instituto Justiça Fiscal (IJF), divulgaram no mês passado um documento com 14 propostas para serem implementadas a fim de amenizar os impactos econômicos da Covid-19 no Brasil. R$ 100 bilhões iriam especificamente para um Fundo Nacional de Emergência. Os recursos para abastecê-lo sairiam da tributação da renda e do patrimônio dos super-ricos através da taxação das grandes heranças e fortunas.

A terceira lição é a quem diz respeito a conta que deve ser paga, o “Estado Mínimo” cai por terra. Como o Banco Central foi célere em disponibilizar 1,216 trilhão de reais para bancos, não é o pequeno empresário, os trabalhadores formais e informais, ou servidores públicos que devem pagar a conta. Essa conta já foi paga durante toda a vida desses através dos muitos e elevados tributos, e agora na grave crise cabe sim ao poder público ter braço firme e socorrer quem historicamente lhe deu sustentação. Ver o poder público ser forçado a criar auxílios para os menos favorecidos, porém, é algo que faz enlouquecer a muitos tomadores de decisão. Não somente no Brasil, a tese do “Estado Mínimo” cai definitivamente por terra na Terra, desculpem a redundância novamente.

O quadro é grave, gravíssimo na verdade. Basta dizer que durante o período de elaboração destas linhas, tomamos conhecimento da morte do Professor Dr. Luiz Di Souza, respeitado profissional, colega de nosso convívio na Universidade do Estado do Rio Grande Norte – UERN, vítima da Covid-19. Mas, tudo isto que está ocorrendo seria minimizado, frise-se, caso os sistemas de saúde mundiais fossem mais estruturados para casos de epidemias. O custo impago de não se investir na ciência, nas universidades, e na saúde está sendo agora suportado pelos pobres e pelos ricos de todo o planeta. Esta é a quarta lição, portanto, o desprezo dado a ciência e as universidades configura-se num custo impago que está sendo suportado por pobres e ricos de todo o planeta.

Algumas lições foram claramente catalogadas aqui. A primeira considera que o descaso com os sistemas públicos de saúde precisa acabar de uma vez por todas imediatamente. A segunda lição refere-se a solidariedade e fé em Deus, que andavam fora de moda. A terceira lição desnuda a tese do “Estado Mínimo” que cai por terra. E a quarta lição reza que o desprezo dado a ciência e as universidades configura-se num custo impago que está sendo suportado por pobres e ricos de todo o planeta. Nesta atual guerra mundial contra o Coronavírus esperamos que a humanidade saia vencedora. Pois, não resta outro percurso, caminho, alternativa ou estratégia a ser seguida a não ser o isolamento, com a união e solidariedade entre os povos, unindo todos os esforços, inclusive financeiros, para salvar a vida de todo mundo. Nisto, sairemos pessoas melhores do que somos e para um mundo melhor se aprendermos estas 4 lições. Por fim, atualizamos com uma pequena edição o questionamento do magnata Bill Gates. The next pandemic? We’re not ready. A próxima pandemia? Não estamos preparados.

                                      Auris Martins de Oliveira Segundo é Aluno do Curso de Medicina na Universidade Federal do Cariri – UFCA.

        Aurís  Martins de Oliveira é Professor de Ciências Contábeis na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.

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