“Comércio com China é crucial, mas Brasil precisa garantir interesses nacionais nesses acordos”, diz especialista

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca no domingo (26) para Pequim, de olho na balança comercial com os chineses. Analistas ouvidos pela RFI acreditam que mesmo num cenário tenso de disputa entre gigantes é possível manter uma relação próxima e pragmática com China e Estados Unidos.

Por RFI, Texto:Raquel Miura

É consenso até mesmo entre direita e esquerda que o Brasil precisa encontrar meios de retomar o crescimento econômico. Internamente, os juros altos dificultam a expansão do crédito, necessário para investimentos e geração de renda. Gasto público, outra alternativa nessa equação, é carta quase fora do baralho diante do rombo fiscal e do orçamento mega engessado. É nesse contexto que o comércio exterior é um oxigênio às pretensões brasileiras de alavancar sua economia. E a China, portanto, continua sendo a menina dos olhos para as vendas externas do Brasil.

“A ida do Lula à China é muito importante tanto econômica quanto geopoliticamente. É um grande parceiro econômico do Brasil, mas é também um grande parceiro de vários países. Então a China talvez tivesse outras opções, mas o Brasil dificilmente poderia vender o mesmo montante para outro parceiro. E é preciso tirar da mesa de debate todo o mal-estar criado por declarações do ex-presidente e de seus familiares, como as críticas à vacina chinesa durante a pandemia”, disse à RFI Luís Renato Vedovato, professor de direito internacional da Unicamp e da PUC/Campinas.

A viagem da comitiva brasileira, a convite do presidente Xi Jinping, foi atrasada em alguns dias porque o presidente Lula foi diagnosticado com pneumonia, mas o embarque deve acontecer no domingo. “O comércio com a China é muito significativo para o Brasil. Não é o que paga mais por valor médio da tonelada, mas é o maior comprador. E a China conseguiu aumentar o preço das commodities, o que melhorou as nossas exportações e o desempenho de vários países latinos americanos. Mas recentemente os investimentos chineses têm sido mais expressivos na África, que é competidor direto do Brasil em muitas das exportações. Daí que essa conversa com a China é estratégica para alinhar as relações”, destacou a economista Cristina Helena Pinto Mello, especialista em comércio exterior e professora da PUC/SP.

Contrapontos

Ainda que o Brasil dependa mais dos chineses do que eles de nós, Mello avalia que é importante melhorar a situação brasileira nessa balança comercial, com exportações que vão além da agricultura e do ferro. Ela cita dois itens fundamentais nas trocas com a China hoje: o embarque de minério brasileiro para lá e a invasão aqui de plataformas digitais chinesas, para ilustrar como o Brasil poder incluir contrapartidas nesses acordos bilaterais.

“A extração de minérios, que tanto atendem a China, tem um impacto ambiental muito significativo dentro do nosso país. A gente precisa pensar num contraponto para isso, que é importante porque precisamos melhorar a logística de transporte e ampliar a diversidade logística para não ficarmos reféns do transporte por rodas. Poderia ser aí um acordo interessante. E a China vem entrando pesadamente com plataformas digitais de comércio, interessante também que isso entre no bojo da negociação. Tem muito o que ser dito e conversado nessas relações China Brasil”, afirmou a economista.

Para ela, “não é só atender interesses e demandas da China, mas também os nossos. Em quais cadeias produtivas vamos avançar, que medidas negociar para vender também produtos da nossa indústria”.

Geopolítica

Lula foi aos Estados Unidos recentemente e agora embarca para a China, num momento em que os dois países estão em polos opostos em vários cenários, da guerra da Ucrânia a submarinos nucleares em mares australianos, passando pela briga de balões espiões em solo inimigo. Analistas dizem que a sobrevivência econômica, nesse caso, passa pela estratégia diplomática.

“O Brasil não tem outra saída que não se equilibrar entre os dois porque, se escolhesse um dos lados, perderia econômica e geopoliticamente avanços no outro lado. Então, no papel periférico que tem nessa briga de gigantes, o Brasil deve ser pragmático e buscar seus interesses. E dessa maneira é possível manter boas relações com os dois. Desde que o Brasil passe de certa forma despercebido e não queira ter um protagonismo maior do que pode ter. Pensar em fazer uma mediação entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, talvez não seja o melhor caminho nesse momento”, pondera Vedovato.

Ficar em cima do muro, na opinião dele, não significa se calar diante de situações condenáveis, mas saber que está pisando em terreno minado e que tem interesses próprios a defender. “Acho importante que o Brasil tenha posições mais claras com relação às democracias no mundo, tanto condenado ações autoritárias dos Estados Unidos em outros países, quanto condenando ações russas na Ucrânia e ações até mesmo chinesas no mundo. Mas sempre com cautela, porque ao mesmo tempo em que não se quer passar a imagem de alinhamento a governos que não têm apreço à democracia, também é preciso pragmaticamente construir pontes econômicas e políticas”, conclui o professor de relações internacionais.

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