Com pandemia e queda nas vendas, agricultores amargam prejuízos e pedem incentivo

O agricultor Maiquel Roberto Junges, de 36 anos, atua numa pequena propriedade rural da família no município de Não-Me-Toque, região do Alto Jacuí (RS). Juntamente com os dois irmãos, ele costumava trabalhar em uma feira popular três vezes por semana para escoar a produção de leite, soja, milho e trigo.

 

Com as consequências que vieram a reboque da pandemia do coronavírus no país, a família tem sofrido perdas irreparáveis. Junges afirma que a queda na circulação de clientes por conta das políticas de isolamento, somada ao fechamento do comércio e à falta de incentivo governamental, tem provocado um cenário de terror e desesperança no campo.

“Tinha sido organizada aqui uma produção de verduras e muitas dessas verduras estragaram porque não chegaram nas mãos dos consumidores, o que acarretou grandes prejuízos nesse sentido ”, exemplifica, ao mencionar “uma grande perda” ocorrida em meados de março, quando mais de 80% dos produtos acabaram tendo a lata de lixo como destinação.

 

Para canalizar o restante da mercadoria para algum lugar, a família do agricultor fez de tudo. Entre as estratégias, iniciou uma ampla divulgação pela internet, com postagens nas redes sociais dirigidas a potenciais consumidores dos produtos, mas nem isso ajudou a solucionar o problema.

“A gente até procurou se reinventar, mas a grande maioria da nossa clientela da feira é de pessoas de mais idade, e muitas delas não têm esses meios de comunicação, por isso não conseguimos atingir esse público-alvo”, conta o agricultor, que só viu a situação sair do zero quando o comércio teve autorização para retornar, em meados de abril, apesar das demais intermitências já determinadas pelo governo local por conta da covid-19 e da queda atual de 20% nas vendas.


Agricultor Maiquel Roberto Junges, 36, na produção da família, no Rio Grande do Sul / Arquivo pessoal

O camponês ressalta que o cenário tem ainda um agravante: a exclusão dos agricultores familiares da lista de beneficiários da renda emergencial, o benefício mensal de R$ 600 paga pelo governo federal a determinados trabalhadores durante a pandemia.

Quando a expansão do coronavírus virou uma realidade no país, os agricultores da região já amargavam as perdas de uma dura estiagem de seis meses que, entre os meses de novembro e abril, gerou quedas bruscas na produção e acabou emendando com os estragos causados pela inesperada pandemia.

“Por isso também já deveria ter vindo alguma ajuda pra gente. Muito se falou nos R$ 600 [do auxílio], mas as nossas entidades aqui do Rio Grande do Sul orientaram os agricultores a não se inscreverem porque o aplicativo [do governo] não tem a opção ‘agricultor’. Só tem ‘autônomo’, então, se a tente de inscrever como autônomo, pode se desenquadrar de alguma outra política pública, como a Previdência social ou mesmo um crédito oficial do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar]. Então, nem isso chegou pros agricultores”, lamenta Junges, acrescentando que muitos camponeses estão atualmente sem condições de sanar as próprias dívidas.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) afirma que a realidade da família do agricultor gaúcho é hoje um drama nacional. Francisco Dal Chavon, o “Chicão”, integrante do Setor de Produção da entidade, relata que o segmento acumula perdas desde 2017, quando os índices de desemprego no país começaram a repercutir mais fortemente no campo, provocando queda nas vendas e, por consequência, na produção.

Em maio deste ano, por exemplo, a produção de tomate registrou baixa de 7,34% em relação ao mesmo período de 2019, quando já tinha tido uma queda de mais de 15% no comparativo com 2018. A laranja caiu quase 6% entre maio de 2019 e maio de 2020 e já tinha registrado redução anterior de 5,52%.

“Se você não vende no período de colheita deles, você perde. E tem outro fator, que é o seguinte: você não estoca isso e, pra voltar a produzir novamente, a natureza exige o seu tempo. Tudo isso, de certa forma, desestruturou o setor, por isso que a crise é longa, a retomada é mais lenta, em função principalmente desses dois fatores”, afirma Chicão, ao mencionar “a crise anterior e a pandemia”.

PL 886/2020

Diante desse panorama, o integrante do MST entende que o país precisa de políticas emergenciais para a população do campo. A demanda está colocada, por exemplo, no Projeto de Lei (PL) 886/2020, protocolado pela bancada do PT na Câmara dos Deputados a partir de demandas apresentadas por diferentes movimentos populares de base rural. Ainda sem data certa para votação, a proposta está hoje no topo da lista de prioridades das entidades que reúnem camponeses, agricultores familiares, quilombolas, extrativistas, entre outros grupos.

 

Brasil de Fato

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