Com aval do governo, mineradoras contrariam isolamento e seguem operando no país

Mesmo com a pandemia do novo coronavírus, as empresas mineradoras não suspenderam suas atividades no país. Segundo relatos e fotos enviadas ao Brasil de Fato, é comum a circulação de operários em ônibus, refeitórios e entre cidades vizinhas às zonas mineiras.

Dois funcionários da Vale estão infectados pela covid-19, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, e muitos dos 55 mil funcionários da mineradora já apresentam sintomas. Em geral, somente quem está no grupo de risco ou atua em áreas administrativas tem a permissão para trabalhar de casa.

No sudeste do Pará – estado onde existem 32 casos confirmados da doença – operários de mina, usina e pátio de estocagem continuam em atividade no município de Parauapebas. Evaldo Fidelis era um deles, até o último domingo (29), quando entrou em quarentena após apresentar dores no corpo, mal estar e espirros. A cidade já tem 26 casos suspeitos da doença.

“Eu comecei a sentir ruim, meu corpo doer, querendo gripar, e aí devido a isso eles mandaram ficar em casa.  Estou aguardando um diálogo com o secretário do município para ver se consigo fazer o teste rápido, que chegou na cidade. Mas as orientações dadas pelo PASA, que é o convênio médico da empresa, você fala com ele por telefone, é que eu fique em casa. Caso eu sinta sintomas mais avançados é para eu ligar para eles”, afirma o operário que trabalha no complexo de Carajás, em meio à floresta amazônica, onde funciona a maior exploração de minério de ferro do mundo, com cerca de 10 mil trabalhadores.

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As medidas tomadas pela Vale no local, na opinião do trabalhador, foram muito aquém do que está sendo estabelecido pelos decretos estadual e municipal. “A Vale reduziu de 44 para 22 pessoas nos ônibus, sendo que todos continuam em espaços confinados e próximos uns dos outros em banheiros, refeitórios e nos locais das atividades”, aponta Fidelis, que lembra que ainda há terceirizados atuando na manutenção, limpeza, no setor alimentício e no apoio das operações.

Para Luiz Paulo Siqueira, coordenador do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o potencial de disseminação da doença através dos empreendimentos minerários é enorme.

“A mineração é um dos setores mais insalubres do mundo.  Todos os trabalhadores do setor e as comunidades do retorno convivem já com vários problemas, seja de câncer e principalmente de problemas respiratórios por causa da emissão do pó do minério“, afirma. Siqueira revela que desde Carajás até o Sul do país as mineradoras continuam em plena normalidade.

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Apesar da reivindicação da categoria, a portaria emitida pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, incluiu as atividades de mineração como essenciais durante a pandemia da covid-19.

A medida era pleiteada pelas mineradoras, e inclui atividades como o processamento e a transformação de bens minerais e o escoamento dos produtos gerados na cadeia produtiva.

O procedimento lembra o Decreto 10.292/2020, editado na última quinta-feira (26), quando o poder Executivo tentou enquadrar igrejas e casas lotéricas como serviços essenciais durante a pandemia.

O texto tinha clara motivação política para angariar apoio da base empresarial do governo e foi derrubado por uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF).


Procedimentos de segurança anunciados pela Vale não condizem com a realidade das fotos enviadas por trabalhadores da mineradora/ Acervo Pessoal

Trabalhadores em risco

“A atividade minerária é essencial para que? É para quem? Ela não está sendo essencial para o conjunto das populações, para o conjunto da riqueza nacional e para os trabalhadores. Pelo contrário, tudo que nós produzimos aqui vai para fora, não fica nada aqui”,  afirma Rafael Ávila, presidente do Sindicato Metabase Inconfidentes, que representa aproximadamente 10 mil trabalhadores em Mariana, Congonhas e Ouro Preto.

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Ele conta que o Metabase entrou com denúncias contra as mineradoras no Ministério Público do Trabalho (MPT). Segundo as contas do sindicato, a Vale liberou do trabalho apenas 40% da categoria, a Gerdau  e a CSN em torno de 20%.

“Tem que paralisar as atividades. O que vem fazendo o governo junto com as empresas é matar o conjunto das cidades mineradoras e não dar a chance para os trabalhadores lutarem por suas vidas” conta Ávila, que recorda que o lucro da Vale nos últimos 8 anos atingiu mais de R$ 84 bilhões.

No estado de Minas Gerais, palco dos maiores e mais dolosos crimes socioambientais do país, são registrados até o momento 261 casos confirmados da covid-19 em 31 municípios – incluindo Mariana, Itabira e Nova Lima, onde a Vale opera.

Outra posição do governo que abre precedentes para a negação de direitos aos trabalhadores da mineração é a Medida Provisória 927, a mesma que trouxe polêmica pela tentativa de Jair Bolsonaro (sem partido) de suspender os contratos de trabalho por 4 meses.

O artigo 29 da MP, editada em 22 de março, define que  os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Ou seja, os casos de contaminação não serão considerados como responsabilidade da empresa. Assim, o trabalhador direto ou terceirizado não recebe qualquer garantia de estabilidade no emprego.

“Nós pedimos à Vale que dê essa estabilidade para seus funcionários enquanto durar toda essa turbulência, mas ainda não tivemos respostas. Com relação à Samarco, foi assinado hoje um acordo de estabilidade de três meses para todos os funcionários”, afirma Sérgio Albarenga, dirigente do Metabase em Mariana, que pondera que o único benefício garantido pela Vale até o momento foi um aporte financeiro no cartão alimentação dos trabalhadores.

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Em nota, a Comissão Episcopal Pastoral Especial sobre Ecologia Integral e Mineração (CEEM) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também repudia a ação das mineradoras de não ter paralisado suas atividades em tempos de disseminação do coronavírus.

No texto a CEEM afima que uma “mera Portaria publicada pelo Ministro das Minas e Energia não tem efeito para dar interpretação mais flexível do que as normas restritivas do Decreto”.

Posicionamento da Vale

Em resposta enviada à reportagem, a Vale afirma que vem tomando todas as medidas necessárias em seus locais de trabalho, como a triagem diária e aferição da temperatura corporal dos trabalhadores; restrição de acesso nas portarias, afastamento dos funcionários que apresentarem sintomas gripais, além do aumento da frota de ônibus para reduzir a lotação e o distanciamento social nos refeitórios.

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A mineradora reforça também que está em conformidade com os protocolos de saúde e segurança estabelecidos pelas autoridades e agências de cada um dos países em que opera.

“Elas têm colocado por aí que tem adotado algumas medidas, o que é totalmente insuficiente diante do problema que a gente tem vivido. Tiram seus diretores, mas todos os operadores das minas continuam em campo. Não adianta os familiares estarem em quarentena, com esses trabalhadores saindo de casa e entrando nessas condições de risco”, reitera Luiz Paulo Siqueira, do MAM.

 

Brasil de Fato

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