Clauder Arcanjo – Um caso suspeito

Clauder Arcanjo – Um caso suspeito

Caminhava ao final da tarde, recomendações médicas para controle da taxa de colesterol, quando dou com a figura sisuda do Companheiro Acácio. Levantei o braço, como forma de saudá-lo à distância, mas ele nem se deu conta da minha presença. Explico. Estava cabisbaixo, a mastigar algum enfado ou coisa recém descoberta.

Aproximei-me; e, como o conheço bem, eu só me faria percebido, caso obstaculizasse a sua passagem. Assim o fiz. Com seus óculos bifocais, estancou a poucos centímetros de mim.

— Boa tarde, Companheiro!

Como se descesse de algum lugar longínquo, Acácio pigarreou algo ininteligível e, segundos depois, respondeu-me:

— Boa tarde.

Senti-o preocupado; melhor diria, distante, como se perdido em divagações mil ou investigações intricadas. Reparei que, embaixo do braço, ele trazia um volume: um livro. Curioso, corri os olhos pela lombada: “Manual de investigador”.

— Algo o aflige, Companheiro?

Olhou para os lados, como para se certificar de que estávamos a sós. Com pouco, Companheiro Acácio confidenciou-me, numa voz baixa, em tom gutural e, por que não dizer, de certa forma repleto de mistérios:

— Nem sei como lhe explicar, Clauder Arcanjo. Um caso suspeito… — mal proferiu tais palavras e já me puxou para um canto; os olhos arregalados, como a espreitar becos e esquinas.

— Alguém morreu? — indaguei, despretensiosamente.

— Psiu! Não ponha tudo a perder, seu…

— Então a coisa é séria! — completei.

— Muito séria! E como é séria!… — cofiou o seu bigodinho bem aparado, passou a mão nos seus cabelos ralos, e hauriu o vento quente da tarde daquela terça-feira ensolarada.

Resolvi dar-lhe um tempo. Se há tempo de plantar e de colher, há o tempo de esperar. Porém, caro leitor, esperar demais é sofrimento demasiado para este curioso de província:

— Ô Companheiro, desembucha logo!

— E como você sabe que a incisão mortal foi na altura do que a plebe rude intitula de “bucho”? — aproximou o rosto do meu, o novel investigador.

— Que chova facas e canivetes se eu souber algo sobre o que você me esconde! — quase que lhe gritei.

Ele abriu o alentado tomo, foi para frente e para trás em vários capítulos, dando especial atenção a um em que, pude observar pelo canto da vista, o autor discorria acerca da arte de bem abordar as testemunhas.

— Sei, sei. Então, vejamos, no local foram encontrados alguns canivetes; além de meia dúzia de facas, mas nenhuma delas, pelo que pude constatar, fora a do objeto do crime. Onde você a escondeu? — Acácio, severo, inquiriu-me.

Confesso que me atrapalhei com a mudança de rumo da nossa conversa. Quis denotar o meu desgosto; no entanto, gaguejei:

— Mas, A-cá-ci…

— A gagueira é sintoma inconteste de sumária culpa! Elementar, meu caro.

— Elementar… um cacete. De agora em diante quem não quer saber de prosa sou eu. Fim de papo. Agora, para mim, a Inês é morta! — disparei, em compasso de fúria.

— E quem lhe disse que o nome da vítima era Inês. Venha cá, não fuja! Você, para mim, é o principal suspeito!

Soltei-me dos seus braços, não sem antes lhe aplicar um sonoro cocorote. Melhor remédio para acalmar os ânimos do Companheiro Acácio, este novo Hercule Poirot.

— Detetivezinho metido a besta. Ora, ora! Principal suspeito?!… Eu mereço. Eu mereço.

Clauder Arcanjo – [email protected]