Clauder Arcanjo. PÍLULAS PARA O SILÊNCIO (PARTE CCXLIII)

No colo do silêncio, não da solidão

Aforismos devem ser picos, e aqueles que os ouvem devem ser homens grandes e altos.
(Friedrich Nietzsche, em Assim falava Zaratustra)

O pequeno Jonas subia em árvores; dizia que, do alto, se vê mais longe.
A mãe, sempre zelosa, gritava-lhe, ao rés do chão:
— Deixa de arte, menino; desça e venha limpar o terreiro!
Jonas, inquieto e buliçoso, montava na vassoura; e, a se imaginar no Velho Oeste, disparava:
— Ninguém ri de mim neste salão.
Junto à porta, o seu irmão mais novo, engatinhando, esboçou um sorriso de contentamento; foi alvejado pelo terrível Jonas Kid.

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Todos os seus feitos degeneravam em bufonaria. O andar, em passos de clown. O falar, em ondas de chistes. O julgar, em mera palhaçada.
Ao morrer, num ato sem a menor graça, todos julgaram-no um insolente fanfarrão.

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Um gozador de Licânia bravateou:
— Por mero capricho, meus concidadãos, abandonei o sucesso, abri mão da fama e resolvi ostentar a augusta condição de parvo. No meu tugúrio, sozinho comigo mesmo, descobri que o olimpo dos escolhidos é situado a “um palmo de gato” do inferno. Logo ser idiota é, em si, uma condição bem sublime.

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Tentou escrever um aforismo. Rabiscou, riscou, borrou e, extenuado, concluiu: “Um belo aforismo é mais difícil de alcançar do que o Paraíso”.

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Por veleidade, escolhia os lençóis do abandono. Na cama silente, ajustava-se aos limites do próprio corpo, sonhava com seus piores espectros; e, só então, conseguia fugir, calado, da própria solidão.

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Construiu um muro de silêncio no entorno do seu coração. Prisioneiro de tão singular enclave, resolveu, apavorado, solicitar sua demolição. Exararam-lhe uma sentença condenatória, julgado pelo crime de “medo da solidão.”

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
(Vinicius de Moraes, em “O operário em construção”)

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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