Clauder Arcanjo: Meus Dias

 

De que são feitos os dias?

— De pequenos desejos,

vagarosas saudades,

silenciosas lembranças.

 

Os dias se vestem de luzes, calçam os sapatos da tarde e saem a bailar sobre a claridade prateada da Lua. Os Homens, sempre afeitos a descobrirem a origem e a razão de tudo, se confundem com o tempo e, vagarosos, perdem o silencioso compasso da dança dos desejos, que nascem nos braços longos da saudade, no prenúncio dadivoso das lembranças. 

 

Entre mágoas sombrias,

momentâneos lampejos:

vagas felicidades,

inatuais esperanças.

 

Quando me vi nos braços dela, acredite, nem me importei se aquele momento me dilaceraria em mágoas seguintes. A felicidade era tamanha, que tudo o mais fez-se insignificante, vago e irreal. No outro dia, sozinho e taciturno, concluí: os lampejos que me restaram nos olhos sombrios me bastavam. 

 

De loucuras, de crimes,

de pecados, de glórias

— do medo que encadeia

todas essas mudanças.

 

Da loucura tornou-se confidente quando subia no cavalo alado da Quimera. Dos crimes, nunca mais os contabilizara, ao saber que as glórias mais valorosas eram condenadas. Dos pecados, não mais se afastava, pois ficou sabendo que o néctar que brotava do proibido era, quase sempre, o mais festejado prêmio. Hoje, preso à glória de um instante ocasional, lamenta-se por ter tido medo de enfrentar as mudanças de outrora. 

 

Dentro deles vivemos,

dentro deles choramos,

em duros desenlaces

e em sinistras alianças… 

 

Cecília Meireles, meus dias correm no ritmo do imponderável. Se ao sabor do acaso, honestamente não sei. Quem saberia julgar o encanto do incomensurável, colhido no átimo mais inesperado, na calçada mais sinistra, entre suspiros e choros, a anunciarem que, naquele fundo vácuo, ainda há a aliança da vida. 

Olho o céu nesta noite aflita, e tento solfejar uma canção desconhecida; até há pouco, pois, do nada, ela desponta, a revelar uma melodia entre si e o dó. Dó de mim e de ti, sem nenhuma rima. 

E, assim, vão-se os meus dias. 

 

Obs.: os versos em itálico são do poema “De que são feitos os dias?”, de Cecília Meireles. 

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