Clauder Arcanjo

(Pintura Uma jovem lendo, de Jean-Honoré Fragonard)

 

Diário de Leituras

 

Para o escritor Márcio Catunda

 

O livro que eu leio, se me entrego por inteiro, lê todos os meus segredos. E, depressa, leva-me por completo para o seu particular degredo.

Lá, entre páginas, teias e ternuras, descubro-me outro, quando a obra me revela quem mesmo eu sou.

Um livro bem lido é vida redescoberta, vívida.

 

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— Sabe aquele dia em que te reli?

— Quando foi? Nem lembro mais.

— Naquela tarde em que descobri novidades outras!

— Eu as tenho para quem, de mim, for bem capaz.

 

 

Pus meus olhos na prateleira à minha frente; os livros, quietos, fingiram-me desprezo.

Quando abri o miolo de um deles, meu Deus!, lá estava outro mistério.

 

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Esqueci o livro das horas no relógio da tarde. Quando a madrugada badalou seu prenúncio, a memória trouxe-me cada um de seus minutos capitulares em forma de sonho, narrativa idílica.

Verdade! Dou a minha palavra.

 

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Se ouso rabiscar em meio ao redemoinho do nada, as garatujas se cobrirão com o grafite do vazio. Ao final, só quem traduzirá tal criação é quem souber apaziguar o furacão do silêncio.

Se me arvoro a verbalizar na correnteza da melancolia, as cursivas se evolarão como fumo das profundezas. Enquanto se alguém rir do meu verbo, ao se deparar com meus parágrafos, eles se consumirão de uma alegria tristonha.

Contudo, caso haja alguém que, uma vez escriba, anuncie-se aposentado das letras, creia-me, não acreditarei em nenhuma palavra por ele pronunciada. Apenas, e tão somente, as por ele escritas.

 

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Nobre olfato o teu, digno leitor de vergonha, que sentiste a podridão das minhas criações, quando tentei esconder tanto mau cheiro da minha prosa, aspergindo-as com o perfume barato do lugar-comum.

 

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Havia noite, disseram-me, quando flagrei o brilho daqueles olhos em meio à escuridão dos meus passos.

— Há de surgir um novo dia! — consolavam-me. Mas ela se fora para sempre, deixando-me com o rumo perdido, entre o breu da apatia e da desvalia.

Fechei-me, então, dentro de mim. E nunca mais seria solar.

 

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— Naquela noite em que te relia, lembra?

— Foi? Pensei que desistiras de mim quando do final daquela primeira visita.

— Engano teu, sabias? Ah, como foi bom. Noite aquela em que teu corpo se esticava quanto mais eu te descobria!

— Silêncio! Não te queixes alto. Se souberem de tudo isso, os outros leitores podem querer me visitar.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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