Cientistas da UFRN estudam comportamento de nova fase da pandemia no Brasil

Com a abertura de diferentes atividades em vários pontos do Brasil, muitas pessoas se perguntam se a pandemia de covid-19 começou a perder força no país. Mas uma nota técnica apresentada no início do mês por um grupo de cientistas brasileiros, mostra que ainda estamos em um momento de muito cuidado e atenção, correndo inclusive o risco de perder parte dos resultados positivos alcançados pelo isolamento social em algumas cidades.

Os modelos epidemiológicos que tentam mapear o espalhamento da doença indicam para alguns problemas que o país ainda precisa enfrentar. Dois em especial têm chamado a atenção de especialistas: a subnotificação e a interiorização do vírus. Continuar a estudar a doença continua como peça fundamental para o seu combate.

Segundo o físico José Dias do Nascimento, pesquisador do Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE) da UFRN, a covid-19 mudou a forma com que as epidemias são estudadas. “Em nenhum momento da História uma pandemia foi tratada de forma tão interativa como estamos vivendo agora. Os grupos de epidemiologia faziam o tratamento matemático quando as epidemias acabavam. Era assim que funcionava. O que a gente tem hoje é a necessidade de fazer tudo ao mesmo tempo porque a situação é muito grave. Então na Física, sobretudo aqui no Brasil, começamos a fazer modelos ainda com a epidemia Itália, depois foi para os EUA e para a Inglaterra e começou a chegar aqui”, disse.

Essa preocupação em atuar rapidamente foi o que levou grupos de pesquisadores do Instituto Internacional de Física (IIF) da UFRN a trabalharem na criação de um modelo físico-matemático ainda no final de fevereiro. O trabalho dos professores Rafael Chaves (IIF-UFRN) e Askery Canabarro (IIF-UFRN/UFAL) mediu, logo no começo da crise do coronavírus, como seria a transmissibilidade e a analisou a capacidade das estruturas de saúde do país para estimar um número de contagiados e dos mortos.

De acordo com o Professor Canabarro, o modelo criado no IIF desempenha papel apenas no começo da pandemia, medindo o crescimento quando o número de infectados é desprezível. No entanto, mesmo sem estar modelando para o momento atual, ele alerta que a subnotificação de fato existe nos números conhecidos hoje.

Crescimento desigual

O Professor Dias explica que mesmo sem a subnotificação não é possível se basear apenas nos dados colhidos em outros países, o que é muito importante, mas é também preciso levar em consideração fatores geográficos, sociais e culturais de cada país para o desenvolvimento destes modelos. Dessa forma, podemos explicar melhor a ação desigual com que a pandemia se apresenta em cada Estado e no Distrito Federal, fator apontado pela nota técnica do começo do mês.

“Quando estávamos no RN com números por volta 300 óbitos, o Ceará estava com 800 ou 1000. E algumas pessoas diziam ‘olha parece que aqui não chegará nunca a 1000’. Já passamos muito disso e no Ceará a pandemia praticamente terminou. Vemos que existem tempos diferentes em dois estados vizinhos.”

Para o físico da UFRN, o Brasil está indo na contramão do que a maioria dos países está fazendo ao anunciar afrouxamentos de medidas restritivas em diversas cidades sem antes conseguir uma estabilização da queda no número de casos. Ele destaca o caso do RN: “No momento de consolidar os resultados obtidos resolvemos abrir, sendo que ainda temos mais de 1 milhão de pessoas no estado que não tiveram contato com a doença”, afirma sobre o potencial de novas contaminações que ainda podem acontecer no Rio Grande do Norte. O professor também lembra que o que acontecerá daqui para frente depende de uma vacina – que ainda demorará alguns meses para chegar e ser distribuída – ou do isolamento social, realizado em diferentes níveis. As máscaras devem desempenhar um papel fundamental também.

“Efeito Ricochete”

Ao desenvolver os seus modelos originais ao longo da pandemia, o professor Dias analisou a forma com que os decretos de isolamento social atuaram. Ele chegou à conclusão de que estes períodos surtiram sim efeitos na contenção da transmissibilidade, que variou pouco no RN. No entanto, por terem curta duração, os decretos causaram uma oscilação na curva de contaminados.

Artigo recentemente divulgado, desenvolvido por pesquisadores da UFRN com colaboradores de outras instituições, analisa a taxa de transmissibilidade (Rt). Os modelos destacam que um Rt que esteja acima de 1 demonstra um crescimento da pandemia, o que tem sido usado por diferentes governos para realizar medidas de abertura das cidades. O efeito ricochete, cujo nome é inspirado no efeito causado por uma pedra ao ser lançada sobre a superfície da água. O toque da pedra na água simboliza uma diminuição de casos causada por um decreto de isolamento, mas quando este toque acontece de forma curta a pedra continua a quicar sobre a superfície ao invés de afundar.

O trabalho – que tem como autores o César Rennó-Costa (IMD-UFRN), Leandro Almeida (DFTE-UFRN), Renan Cipriano Moioli (IMD-UFRN), além do próprio Dias e outros cientistas – também mostra como estes decretos do RN têm uma força muito maior na curva de contaminação da capital, enquanto no interior do estado as curvas de contaminação têm uma variação diferente. Esta falta de inobservância das medidas pode estar ligada a interiorização da doença e a uma nova fase da pandemia em todo Brasil.

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