Carnaval Acaciano

 

Clauder Arcanjo

 

Ô abre alas que eu quero passar

Peço licença pra poder desabafar

 

Sábado de Carnaval, a cidade em ritmo de festejos. Fechei a porta e recolhi-me. Melhor, recolhemo-nos: Companheiro Acácio, Nabuco e eu.

Como estratégia para “curtirmos” aquele período de folga, Acácio selecionara alguns livros e elencara alguns filmes clássicos para assistirmos juntos.

 

Allah-la-ô, ô-ô-ô, ô-ô-ô

Mas que calor, ô-ô-ô, ô-ô-ô

 

Domingo de Carnaval, a cidade sob uma discreta chuva. Os foliões, víamos da janela, nem se incomodavam com o mau tempo. Muito pelo contrário, aquele presente dos céus os refrescava, redobrando-lhes as forças para a batalha do mela-mela.

Acácio nos interrogou:

— Quanto desperdício! Não fariam melhor uso destinando essa maisena para socorrer os mais necessitados?

 

Oh, jardineira, por que estás tão triste?

Mas o que foi que te aconteceu?

Foi a camélia que caiu do galho

Deu dois suspiros e depois morreu

 

Segunda de Carnaval. Depois de relermos várias passagens da Ilíada, de Homero; de Dom Quixote, de Cervantes; d’Os Miseráveis, de Victor Hugo; de Mensagem, de Fernando Pessoa; d’Os Sertões, de Euclides da Cunha; de Dom Casmurro, de Machado de Assis… entramos no mundo da Sétima Arte, sob a companhia de Godard, Fellini, Tarkovsky, Bergman, Orson Welles, Kurosawa, Buñuel, Truffaut. Passava da meia-noite, quando nos recolhemos. Antes preparei para nós um suco detox e um sanduíche vegano. Não sem antes adverti-los:

— É o lanche ideal, amigos, antes de nos entregarmos aos lençóis.

 

Mamãe, eu quero, mamãe, eu quero

Mamãe, eu quero mamar!

Dá a chupeta, ai, dá a chupeta

Dá a chupeta pro bebê não chorar!

 

Terça-feira de Carnaval. Acordamos tarde. Notei um ar cansado em Nabuco e Acácio, resolvi, então, preparar-lhes um café frugal: leite desnatado, queijo sem lactose e umas torradas à base de arroz. Quando propus aos dois relermos um trecho de Kafka, eles, em uníssono, responderam-me:

A metamorfose!

 

Acorda, Maria Bonita

Levanta, vai fazer o café

Que o dia já vem raiando

E a polícia já está em pé

 

Quarta-feira de Cinzas. Mal despertei, percebi, no quarto de Acácio, um som esquisito. De repente Nabuco veio aos meus pés, com os olhos arregalados, como se tivesse visto um ET. Com pouco passou pelo corredor o Companheiro Acácio, vestido de palhaço, a cantar, a plenos pulmões: “Nós, nós os carecas/ Com as mulheres somos maiorais /Pois na hora do aperto/ É dos carecas que elas gostam mais”.

— Companheiro Acácio, volte aqui! Componha-se!

Enquanto chamava-lhe, reparei que o gato Nabuco já o seguia, solfejando, em ritmo próprio: “Hoje eu não quero sofrer/ Hoje eu não quero chorar/ Deixei a tristeza lá fora/ Mandei a saudade esperar, lá, rá, rá, rá/ Hoje eu não quero sofrer/ Quem quiser que sofra em meu lugar”.

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