Campanha busca aumentar número de doadores de órgãos. Mais de 66 mil aguardam transplantes
27 de setembro — Dia Nacional da Doação de Órgãos. A data serve para incentivar, promover e esclarecer à população sobre a importância de expressar a vontade de ser um doador
Rim, fígado, coração, pâncreas, pulmão e córnea. A lista de transplantes no país tem hoje 66 mil pacientes à espera de algum ou mais de um desses órgãos. Pessoas que dependem da doação e do esclarecimento de outros para continuarem vivendo, ou tendo mais qualidade de vida.
O transplante de órgãos no Brasil hoje só acontece quando a família do doador permite a doação, como explica a coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde, Daniela Salomão..
“A doação no Brasil hoje é do modelo consentido. Ou seja, você só é doador se sua família autorizar o consentimento da doação. Então, no momento do nosso falecimento, a família é entrevistada e opta ou não pela autorização da doação. E é a única forma de nos tornarmos doadores hoje.”
Por isso, o “setembro verde” é o mês dedicado à conscientização da doação. Para que a informação chegue ao maior número de pessoas e essa fila, que ultrapassa os 66 mil, possa diminuir. Mas não é só a vontade de doar que decide o futuro de um transplante. Há critérios como: compatibilidade sanguínea, tipo físico e até a distância entre doador e paciente podem definir quem receberá um órgão doado.
O rim no topo da lista
De acordo com o levantamento diário feito pelo Ministério da Saúde, até o dia 21 de setembro deste ano, 37.281 pessoas esperavam por um rim no Brasil. O estado de São Paulo lidera com mais pacientes, 19.658. Por outro lado, também é o órgão mais transplantado, foram 4.206 cirurgias desse tipo só em 2023.
A médica nefrologista e especialista em transplante renal Rubia Boaretto, de Cascavel, no Paraná, explica as principais causas da falência renal — motivo que leva as pessoas à diálise e que tem o transplante como solução — na maioria dos casos.
“Doenças como diabetes de hipertensão — que podem ser tratadas — mas passam muito tempo sem diagnóstico e manejo correto, levando à perda do órgão. Além da falta de informação a respeito das doenças renais, que passam assintomáticas. E o fato de a população estar envelhecendo, esse tempo de acometimento que lesam o rim é cada vez maior. E o envelhecimento, por si só, contribui para a doença renal.”
Segundo a médica, “as chances de uma vida normal após o transplante são de 100%. Há uma recuperação na qualidade de vida exponencial e as taxas de mortalidade são muito menores quando se transplanta em comparação com os pacientes que ficam na diálise — seja na hemodiálise ou na diálise peritoneal.”
O paciente transplantado ainda consegue ter melhorias em:
- menos fraqueza, cansaço e indisposição;
- reversão completa da anemia;
- controle do balanço hídrico — paciente consegue beber líquidos à vontade;
- equilíbrio hormonal e melhoria da qualidade sexual;
- liberdade para viajar e ter uma vida normal.
Luz no fim da fila
Em 2021, a cantora brasiliense Simone Ribeiro, na época com 51 anos, usava lentes de contato para corrigir uma grave miopia. Como costumava dormir com as lentes e não fazia a higiene correta, acabou pegando uma bactéria e — em poucos dias — desenvolveu uma úlcera na córnea que culminou na perda da visão.
Foram vários meses de tratamento com antibióticos fortíssimos, até que a lesão fosse curada e ela pudesse, então, entrar na fila do transplante para ter uma chance de voltar a enxergar. Em novembro do ano passado, Simone foi inscrita na lista e, desde então, espera pelo órgão.
“A minha expectativa é que eu não tenha rejeição e que eu consiga enxergar pelo menos 80% do olho direito, já que hoje não enxergo nada dele.”
Segundo a médica oftalmologista do hospital CBV de Brasília Fabiola Gavioli, apesar da maior parte dos transplantes serem bem sucedidos e devolver a visão ao paciente enxertado, ainda existe um índice de rejeição.
“A córnea é um tecido, por isso ela traz consigo algumas informações genéticas do doador. E ela tem um índice de rejeição de 15%, considerado um índice pequeno. Como não tem sangue, é um índice de rejeição menor que outros órgãos, como fígado e rins, por exemplo.”
Hoje, 245 pessoas estão na frente de Simone na lista para receber o órgão. Segundo ela, todos os exames pré-operatórios já foram feitos, mas ela imagina que só deve receber o novo órgão dentro de um ano. E teme ficar sem enxergar também do olho sadio, já que o grau é alto e tende a aumentar ainda mais com o avançar da idade.
“Eu parei de trabalhar na música porque não estava enxergando as letras. Hoje eu só enxergo com o olho esquerdo, mas ele está com uma lente de 10 graus e o médico falou que a tendência é aumentar, devido à minha idade.”
Córnea: fila grande apesar de menos critérios
A lista de espera por uma córnea soma 25.945 pessoas. Segundo a oftalmologista Fabíola Gavioli, para doar a córnea não é necessário ter compatibilidade sanguínea, de idade, física, “porque o que a gente leva em consideração é a avaliação do tecido, a quantidade de células, a vitalidade que ela tem.”
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“Eu posso ter uma córnea jovem, mas que já está bastante comprometida no momento da doação, ou posso ter uma córnea de 60 anos, mas que está ótima. É legal isso da córnea justamente porque a quantidade de pessoas que podem ser doadoras é muito maior.”
Além disso, um doador pode beneficiar dois pacientes. Apesar da maior facilidade na doação nesse órgão, de acordo com dados do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), entre 2019 e 2022, o número de pacientes aguardando o órgão duplicou, passando de 12.212 para 24.319.
Segundo a oftalmologista, a pandemia agravou esse aumento, já que “durante todo o ano de 2020 ficamos sem receber o órgão e sem fazer as cirurgias, porque sabíamos muito pouco sobre a COVID.”
O Ministério da Saúde confirma que a pandemia atrasou a fila de doação e de cirurgias de transplantes, mas segundo a coordenadora-geral do SNT, tudo já foi normalizado.
“A pandemia impactou negativamente no número de doadores por conta de a maioria dos pacientes que estavam em UTIs, estavam lá por causa da Covid. E como naquele momento não se entendia direito a forma de contágio, por isso o paciente com Covid não podia ser doador — o que gerou uma diminuição do número de possibilidades de doação.”
De janeiro até hoje, segundo o Ministério da Saúde, foram feitas 11.274 cirurgias de transplante de córnea no Brasil, a maioria, 4.230 no estado de São Paulo.
Fonte: Brasil 61