Brasileira atua na luta de associação de defesa de mulheres vítimas de violência na Itália

De janeiro a setembro deste ano, a Itália registrou 76 feminicídios. Isso significa que a cada três dias uma mulher é assassinada no país, quase sempre pelo companheiro ou ex-companheiro. A carioca Juliana Nasciutti vive em Roma e trabalha há dois anos na associação italiana “Differenza Donna” ajudando as mulheres vítimas de violência.

Por Gina Marques, correspondente da RFI na Itália

Juliana Nasciutti é formada em jornalismo na PUC do Rio de Janeiro e fez o mestrado na San Francisco State University na Califórnia. Para exercer a tarefa de operadora antiviolência, Juliana fez o curso e estágio de mediação intercultural.

“’Differenza Donna’ significa Diferença Mulher, ou seja, o conceito de mulheres que fazem a diferença. É uma associação que nasce em 1989 de mulheres que queriam lutar pelos direitos das mulheres. É uma associação ativista, feminista, que tem os centros antiviolência como foco principal da sua luta contra a violência masculina contra as mulheres” explica a brasileira.

Os centros antiviolência são lugares onde as mulheres vítimas de maus-tratos podem ir para ter um apoio psicológico e jurídico gratuitamente.

“A gente faz entrevistas, onde as mulheres contam aquilo que está acontecendo. Através da nossa formação, conseguimos fazer a mulher recuperar a autoestima que a violência tira, principalmente a violência psicológica. Quando se fala de violência contra a mulher, nos referimos à violência psicológica, sexual, econômica, física. Damos suporte a essas mulheres e elas também podem ter um apoio legal com uma advogada que faz parte da associação”, conta.

A “Differenza Donna” trabalha em sinergia com a central telefônica 1522, um número gratuito de assistência feminina, criado pelo governo italiano em 2006, que recebe denúncias 24 horas por dia em toda Itália. Juliana faz turnos também prestando serviço a essa central.

“A partir do momento que a mulher telefona pedido ajuda avaliamos a sua situação para aconselhar o que fazer. Além disso, temos encontros presenciais, que dependendo do caso, podem acontecer toda semana, ou uma vez por mês”.

A associação administra também abrigos que hospedam mulheres e seus filhos quando correm perigo de vida. Em três décadas a “Differenza Donna” acolheu mais de 40 mil mulheres e 60 mil crianças vítimas de violência na Itália. A maioria é vítima de violência doméstica.

“A ‘Differenza Donna’ tem um grande conhecimento do território. Nos centros antiviolência conhecemos a polícia, o magistrado, o serviço social. A gente tem projetos internacionais também da União Europeia, da ONU. Atuamos em toda Itália e colaboramos também com associações no exterior”, diz.

Diversidade cultural
Juliana fala quatro línguas, português, inglês, francês e italiano. Esses idiomas ajudam no seu trabalho. A maioria das mulheres que procuram assistência é italiana, mas muitas estrangeiras vítimas de tráfico humano também buscam socorro.

“O fato de saber outras línguas é um ponto muito forte e positivo porque a violência é transversal. A minha primeira experiência, por exemplo, foi trabalhar com mulheres vítimas de tráfico humano. Mulheres que foram forçadas a se prostituir. A maioria é africana, principalmente nigeriana, que fala inglês. Por isso é importante ser mediadora intercultural”.

Juliana ressalta que sempre foi valorizada na associação: “A ‘Differenza Donna’ considera um grande valor ser de outra cultura, ter uma outra bagagem, ter uma experiência que não é só aquela italiana. Em relação as mulheres, eu também nunca me senti discriminada”.

Segundo ela, o sotaque brasileiro não representa um problema, ao contrário. “Uma vez uma mulher ligou para o centro antiviolência e sentiu o meu sotaque. Depois de um tempo que a gente já estava conversando, ela me perguntou de onde eu era. Quando falei que era do Brasil, do Rio de Janeiro, ela mudou, saiu um pouco daquela tristeza, daquela situação pesada e difícil. Ela se lembrou de uma viagem que fez ao Rio. Mesmo sendo por telefone você consegue saber quando uma pessoa dá um sorriso”.

Número de mulheres vítimas de violência
Segundo a ONU Mulheres, de abril de 2019 a março de 2020, 243 milhões de mulheres e meninas (de 15 a 49 anos) em todo o mundo sofreram violência sexual ou física por um parceiro íntimo. O relatório da ONU alerta para o aumento dos casos de violência doméstica durante a pandemia de Covid-19.

O Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat) divulgou recentemente os dados sobre feminicídio. Em 2019, 1.421 mulheres foram mortas na Europa, uma média de quatro por dia, uma a cada seis horas: 285 na França, 276 na Alemanha, 126 na Espanha, 111 na Itália, 80 na Polônia, 71 na Romênia, 42 na Letônia, 42 na Holanda, 40 na Áustria, 39 na República Tcheca, 32 na Bulgária, 31 na Hungria, 30 na Finlândia, 29 na Sérvia, 27 na Dinamarca, 26 na Suíça, 25 na Suécia, 22 na Lituânia, 19 na Grécia, 18 na Eslováquia, 16 na Noruega, 14 na Croácia, 13 na Albânia, 10 em Chipre, 10 em Bósnia-Herzegovina, 8 na Irlanda, 6 na Estônia, 5 no Montenegro, 4 na Eslovênia, 3 em Malta e 3 no Kosovo.

Em 2020, o Brasil registrou 1.338 feminicídios na pandemia, o que representa um aumento de 2% em relação a 2019.

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