Bolsonaro silencia sobre bloqueios ilegais das rodovias; nas redes, bolsonaristas pedem golpe

Caminhoneiros e manifestantes bolsonaristas atrapalham ou bloqueiam a circulação em 227 pontos das estradas federais do Brasil, em protestos contra o resultado das eleições presidenciais. Até o início da tarde desta terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro ainda não havia se pronunciado sobre a derrota de domingo (30), nem sobre os bloqueios ilegais.

Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a São Paulo

Durante a madrugada, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão da véspera do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro do Alexandre de Moraes, que determinou a liberação das rodovias. Moraes ordenou à Polícia Rodoviária Federal (PRF) e às polícias militares que “tomem todas as medidas necessárias e suficientes” para a “imediata desobstrução de todas as vias públicas que, ilicitamente, estejam com seu trânsito interrompido”.

O pedido foi feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), que evocou o risco de desabastecimento gerado pelos protestos, ao interromperem ou dificultarem o trânsito em algumas das estradas mais vitais para a logística no país. Além disso, dezenas de voos estão sendo cancelados devido aos bloqueios dos acessos a aeroportos, principalmente em São Paulo.

A decisão do TSE implica em multa de R$ 100 mil por hora, em caráter pessoal, ao diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, “em face da apontada omissão e inércia” do órgão para liberar as vias. Vídeos nas redes sociais mostram agentes da instituição “passivos” diante dos protestos, frisou o presidente do tribunal, que afirmou que as manifestações “são motivadas por pretensões antidemocráticas qual seja, um protesto contra a eleição regular e legítima de um novo presidente da República, em 30 de outubro de 2022, inclusive com pretensão impeditiva de posse por meio de atos ilegítimos e violentos como seria uma absolutamente impensável intervenção militar”.

PRF alega que “crise escalou muito rápido”

A PRF realizou uma coletiva de imprensa ao meio-dia, sem a presença de Vasques. A instituição alegou que já desobstruiu 306 locais afetados desde o começo dos protestos, no domingo, a maioria nos estados de Santa Catarina, Pará e Mato Grosso. Nesta terça-feira, efetivos das polícias militares se juntaram às operações de dispersão dos manifestantes em estados como Rio Grande do Sul.

“Em momento algum a PRF foi passiva, pelo contrário, sempre buscou a resolução do problema nos primeiros instantes”, disse Djairlon Henrique Moura, diretor de Operações da PRF, evocando dificuldades de efetivo e as “dimensões continentais” da rede federal de estradas no país.

O diretor-executivo Marco Antônio Territo de Barros frisou ainda que a via do diálogo está sendo privilegiada para desmobilizar os manifestantes, mas não descartou “a utilização da força de choque” se os protestos se prolongarem por vários dias. “A crise escalou muito rápido”, complementou Luís Carlos Reischak Júnior, diretor de Inteligência da PRF

A direção informou que até o momento, realizou 182 autuações de trânsito, mas ainda não conseguiu identificar lideranças dos protestos, nem “verificar qual seria a pauta”.

Apoiadores de Jair Bolsonaro bloqueiam rodovia em Embu das Artes, no estado de São Paulo.
Apoiadores de Jair Bolsonaro bloqueiam rodovia em Embu das Artes, no estado de São Paulo. AP – Andre Penner

Apelos por intervenção

Nas redes sociais, entretanto, multiplicam-se vídeos nos quais os manifestantes pedem uma intervenção militar para garantir a permanência do presidente Bolsonaro no poder. Em um deles, dois militares fardados afirmam estar “levando água para o pessoal que está a favor de um Brasil melhor e soberano”, no interior. “Não é o Supremo que manda no Brasil. É nós (sic)”, disse um deles, identificado como general Evandro, comandante da Federação das Forças Armadas do Brasil em Goiás.

Nos grupos bolsonaristas pelo WhatsApp, circulam documentos falsos com o distintivo do Exército sobre a suposta “revolução brasileira” que estaria em curso para manter Bolsonaro no poder. “É importante o povo pedir na manifestação intervenção federal e nessa IF o presidente instaura o Tribunal Superior Militar, que tem mais poder que o STF e por isso os ministros seriam presos, assim como vários políticos”, diz uma mensagem de um grupo de Santa Catarina.

“O Bolsonaro já sabia disso tudo. Ele deixou a eleição correr, é a estratégia. Ele precisava perder, ter a segunda fraude, para ter as provas que precisava”, diz uma eleitora bolsonarista. “Quando ele der a ordem de 142, vai começar a prisão desse povo todo: Alexandre, Lula”, completou a mulher.

O artigo 142 da Constituição, que trata do papel das Forças Armadas na ordem constitucional, é há muito tempo evocado pelos manifestantes favoráveis a um golpe para impedir a saída de Bolsonaro do poder. O dispositivo, entretanto, não outorga qualquer autorização para que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica desempenhem um papel de “poder moderador” para garantir a ordem no país, ao contrário do que alegam os golpistas.

Enquanto isso, o próprio presidente assiste calado à mobilização pelo país – atitude que acaba por estimular a ala mais radical dos seus apoiadores a continuarem os protestos. Sindicatos da PRF chegaram a emitir uma nota na qual repudiam a passividade de Bolsonaro.

“A postura do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, em manter o silêncio e não reconhecer o resultado das urnas acaba dificultando a pacificação do país, estimulando uma parte de seus seguidores a adotarem ações de bloqueios nas estradas brasileiras”, afirma o texto da FenaPRF (Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais) e os sindicatos da PRF.

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