Bolsonaro faz “concessão importante” aos EUA ao participar da Cúpula das Américas, diz especialista

O primeiro encontro bilateral entre os presidentes americano Joe Biden, e brasileiro Jair Bolsonaro acontece nesta quinta-feira (9) à margem da Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles. Os dois presidentes “não têm muito o que falar”, mas a participação de Bolsonaro “não deixa de ser uma concessão importante do Brasil para a política americana”, diz Antônio Carlos Lessa, da UnB.

A expectativa sobre o primeiro encontro bilateral entre os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos é grande, visto que a relação entre os dois líderes é fria desde a derrota de Trump, aliado de Bolsonaro, e a chegada de Biden à Casa Branca, em janeiro de 2021.

O momento é importante no relacionamento bilateral entre o Brasil e os Estados Unidos, acredita o professor Antônio Carlos Lessa do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). O especialista lembra que historicamente o relacionamento entre os dois países “é tenso, complexo”, e que “essa dinâmica de estranhamento entre os dois presidentes” cria dificuldades adicionais no encaminhamento da agenda bilateral.

Antônio Carlos Lessa acha que este primeiro encontro entre Biden e Bolsonaro pode, com certeza, aparar arestas em relação a este estranhamento, mas ressalta que os dois presidentes “não têm muito o que falar um ao outro”.

O convite de Biden para a conversa visava garantir a participação de Bolsonaro na Cúpula das Américas e evitar o “fracasso” ou o esvaziamento total do evento realizado em Los Angeles. Após a exclusão de Cuba, Nicarágua e Venezuela por Washington com a alegação de que eles não respeitam normas democráticas, o México e outros países latino-americanos decidiram boicotar o encontro.

A expectativa da diplomacia brasileira sobre a conversa bilateral é positiva. “Houve uma grande insistência da diplomacia americana para a participação do Brasil. De certo modo, a aquiescência de Bolsonaro de participar da Cúpula não deixa de ser uma concessão importante do Brasil para a política americana. Talvez por causa disso nós podemos não ter um clima ácido e manifestações duras em decorrência desse encontro”, prevê o professor de Relações Internacionais da UnB.

Contradição americana

Temas importantes do momento como alta dos combustíveis, escassez de produtos provocada pela guerra na Ucrânia, desafios econômicos, imigração, mudanças climáticas e fortalecimento da democracia na região devem ser abordados.

O presidente americano continuaria a ter críticas contra Brasília, principalmente sobre a política ambiental e as dúvidas levantadas por Bolsonaro sobre o processo eleitoral, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, e o convite a Bolsonaro para salvar a Cúpula seria uma contradição. Mas, segundo Antônio Carlos Lessa, o evento assumiu uma importância inusitada na política externa americana.

A relação dos Estados Unidos com a América Latina vem se desarticulando há anos. O fenômeno se acentuou no governo Trump. O aumento da concorrência na região, principalmente com a presença crescente da China, pressiona Washington a mudar de posição.

“A insistência da realização da Cúpula, inclusive com a valorização da presença do presidente Bolsonaro, vai na direção de se afirmar a existência de uma política dos EUA para a região, no sentido de se conter essa concorrência ou de apontar uma agenda criativa com os principais países da região”, aponta o professor da UnB. “A participação de Bolsonaro, de certo modo, salva a relevância da Cúpula diante dos demais países da região”, acrescenta.

Brasil isolado internacionalmente

No entanto, Antônio Carlos Lessa acredita que Biden deve, como pediram várias ONG’s em um documento enviado ao presidente americano, pressionar Bolsonaro a favor da democracia, de eleições livres, da luta contra mudanças climáticas e pela proteção da Floresta Amazônica. “Essa é uma agenda inafastável de qualquer pronunciamento envolvendo, eu diria, qualquer autoridade relevante no plano global que se dirige ao Brasil”, salienta.

Qualquer declaração no final do encontro bilateral nesse sentido teria “uma importância grande de reforçar o estigma que recobre o Brasil nesse momento de isolamento”. O professor da UnB lembra que esse isolamento internacional do país é algo completamente inusitado.

“Tradicionalmente, o Brasil é um país que tem um engajamento internacional muito grande e uma diplomacia muito respeitada. Ele se vê nesse momento crescentemente isolado e considerado, digamos assim, um ângulo morto das políticas externas das principais potências mundiais”, analisa. De acordo com o especialista, “todo mundo espera o segundo semestre, o fim do processo eleitoral, para reatar suas políticas com o Brasil e isso lança muitas incertezas para a América Latina em geral”.

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