As BICs em Mossoró e a questão dos homicídios
Em artigos meus, em que pontualmente (e rapidamente) analisei o papel das chamadas “BICs” (Bases Integradas Cidadãs) em Mossoró, sempre apontei a problemática em se manter um tipo de operacionalização que considero (eu e vários membros do Fórum Brasileiro de Segurança Pública) “caduca”.
Nosso OBVIO/RN (Observatório da Violência do RN) apontou que, apesar do “fim das BICS” (e graças a isso? a saber…), CVLIs reduziram em Mossoró em 2017 em relação a 2016:
http://ln.is/blogspot.com.br/XQrzH …
Neste sentido, li nas redes sociais e em alguns “blogs” muitas falácias atribuindo “aumento” dos homicídios em Mossoró ao fim das BICS , que, como mostrarei, não procedem. Na verdade, estatísticas apontam redução dos mesmos nesses primeiros meses de 2017 no comparativo a 2016 (ao menos por enquanto, obviamente). Até por que, estrutura municipal de segurança pública não altera criminalidade homicida, a não ser em ações integradas. É o que parece ocorrer.
Há uma mortandade homicida diária no RN que segue um perfil: homens, jovens, pardos e negros, moradores de periferia e de baixa renda. Quando algum evento “escapa” do perfil as “pessoas de bem” se assustam e gritam nas redes sociais. Uma pena que sua lástima seja tão seletiva.
Para mim, como no Talmude, uma vida perdida é um desastre para toda a humanidade. Não importa qual.
Escrevi anteriormente:
“Sempre fui crítico das BIC’s (Bases Integradas Cidadãs), por compreender que sua operacionalidade é inócua diante de uma criminalidade dinâmica e que não é operada de forma fixa. Estes últimos dias, porém, estou tomando paulatinamente outra posição. Embora ainda se mantenha a lógica da dinâmica criminal, as BIC’s emprestam um papel fundamental na Mossoró com baixa estrutura policial: manter parte do efetivo (da PM) nas ruas, através do pagamento de diárias operacionais. Este é o ponto central. Se a Prefeitura Municipal de Mossoró conseguirá manter o esforço diante do seu quadro fiscal, aí são outros quinhentos. Ao mesmo tempo, nas áreas das BIC’s, houve redução do número de CVLIS. Mas, em 2016, a dinâmica homicida mudou. Resta entender o porquê” (Trecho de artigo meu de 2016, acesse AQUI).
“Quando o ex-prefeito Silveira Jr. creditou a si a diminuição dos homicídios de 2015, argumentando terem sidos as BIC’s (Bases Integradas Cidadãs) as responsáveis. O alerta deste escriba e de outros especialistas não adiantou. Quando os homicídios voltaram a crescer, o discurso mudou: a culpa era do governo do estado. A questão: o modelo de policiamento fixo das BIC’s não afeta a criminalidade homicida e nem nunca o fez. Mas, tudo precisava virar propaganda e marketing da gestão” (Trecho de outro artigo meu de 2016, acesse AQUI).
Necessário ir aos dados:
Quando analisado por bairros (em cuja presença temos as “BICs”, o quadro é revelador. Perceba que, no caso do Santo Antônio, bairro mais violento de Mossoró e onde temos a mais antiga das bases, o período de 2014-2015 apresentou queda dos índices, comemorada pelas gestões como fato glorificado. No entanto, como em outros locais, o período de 2015-2016 trouxe súbito aumento de CVLIs de 300%. Agora, no comparativo do período 2016-2017, nova queda de cerca de 25%.
O que acontece? Fator BICs? Ou temos uma dinâmica homicida que liga-se preponderantemente à questões de organização policiais gerais e à própria dinâmica das ocorrências? Vejamos.
O Bairro Santa Delmira tem dinâmica diametralmente oposta ao Santo Antônio. Quando este recrudesce, essa aumenta e vice-versa. O que aponta não apenas a dinâmica criminal, mas também aponta à forma como as estruturas de segurança trabalham nas regiões. Até o momento, o período atual vem repetindo o que ocorreu em 2015. Existindo ou não BICs, que pouco afetam essa dinâmica.
Quando analisado temporalmente, os dados apontam novamente que a dinâmica homicida pouco resvala em presenças de BICs. Como relatado por um comandante da PM em Mossoró a mim, que prefere não se identificar: “O mérito de ação contra homicídios se devem a ações integradas entre a PM e a PC”. Concordo. Até porque, não é o papel da Guarda Civil (e nem possui operacionalidade para tanto) cuidar de CVLIs, embora seu papel cidadão possa abarcar contrapartidas que ajudem a diminuir essa dinâmica.
O quadro das zonas da cidade apontam, como estamos mostrando nos diversos boletins, um crescimento contínuo dos CVLIS, apesar de que, nestes primeiros meses de 2017, a exemplo de 2015, nos deparamos com um recrudescimento do crescimento das taxas de homicídios na cidade (a exceção das zonas Oeste e Sul). Note que, em 2015, a Zona Leste e a Rural eram as Zonas que cresciam, seguindo a dinâmica em 2016. Em 2017, nenhuma dessas zonas tem crescimento. A Zona Rural, que nunca viu uma BIC, obteve significativa taxa de queda.
As zonas de média e alta densidade populacional respondem pelos grandes crescimentos nas taxas de CVLIs em Mossoró em 2016. Mas em 2015 as quedas, como agora, estavam nestas mesmas Zonas. Ou seja: independente da presença de bases, a dinâmica de homicídios e demais mortes violentas seguiu muito mais a operacionalidade (e capacidade de planejamento e ação) das forças de segurança do que de um paradigma, já carcomido, de policiamento. O mesmo em referência aos horários de ocorrências de CVLIs.
Finalmente estamos tendo alternância das taxas de CVLIs que respondem à crescimento contínuo desde 2008 (e mesmo antes), somados à decréscimos variáveis em 2015 e neste ano até o momento (quando comparado com o imenso crescimento de 2016). A Prefeitura Municipal de Mossoró errou ao tentar vincular ações de BICs à queda de homicídios em 2015. Erra quem vincula “alta” ao fim das mesmas (ou o contrário!). BICs são modelos e paradigmas em desuso no mundo inteiro, indo contra uma ideia de policiamento inteligente e dinâmico. Ao mesmo tempo, responsabilizar a Guarda Municipal por algo que não é de sua responsabilidade é desvirtuar seu papel público.
Se a queda se manterá? Tenho dúvidas. Mas, nada credito a BICs ou ao projeto de marketing fajuto em que elas foram transformadas e pensadas.