Artigo Auto da Liberdade por Geraldo Maia do Nascimento

Artigo: Auto da Liberdade por Geraldo Maia do Nascimento - [email protected]

O AUTO DA LIBERDADE

Parte II

Geraldo Maia do Nascimento – [email protected]

Iniciamos essa matéria na semana passada falando do auto da liberdade, espetáculo teatral que mostra quatro momentos importantes da nossa história que são: A Revolta das Mulheres, ocorrida em 30 de agosto de 1875, A Libertação dos Escravos de Mossoró, em 30 de setembro de 1883, a Defesa de Mossoró contra o bando de Lampião, em 13 de junho de 1927 e por último o Primeiro Voto Feminino, em 25 de novembro de 1927. Dos dois primeiros episódios já falamos na semana passada. Trataremos agora da tentativa dos cangaceiros chefiado por Lampião de atacarem Mossoró em 1927.

Em 1927 a cidade de Mossoró vivia um período de expansionismo comercial e industrial. Possuía o maior parque salineiro do país, três firmas comprando, descaroçando e prensando algodão, casas compradoras de peles e cera de carnaúba, contando com um porto por onde exportava seus produtos e sendo, por assim dizer, um verdadeiro empório comercial, que atendia não só a região oeste do Estado, como também algumas cidades da Paraíba e até mesmo do Ceará.

A população da cidade andava na casa dos 20.300 habitantes e era ligada ao litoral por estrada de ferro que se estendia ao povoado de São Sebastião, atual Dix-sept Rosado. Contava ainda com estradas de rodagem, energia elétrica alimentando várias indústrias, dois colégios religiosos, agências bancárias e repartições públicas. Era essa a Mossoró da época. A riqueza que circulava na cidade despertou a cobiça do mais famoso cangaceiro da época, que era Virgulino Ferreira, o Lampião.

Para concretizar o audacioso plano de atacar uma cidade do nível de Mossoró, Lampião contava em seu bando com a ajuda de alguns bandidos que conheciam muito bem a região oeste do Estado, como era o caso de Cecílio Batista, mais conhecido como “Trovão”, que havia morado em Assu onde já havia sido preso por malandragem e desordem e de José Cesário,  o “Coqueiro”,  que havia trabalhado em Mossoró. Contava ainda com Júlio Porto, que havia trabalhado em Mossoró como motorista de Alfredo Fernandes, conhecido no bando pela alcunha de “Zé Pretinho” e de Massilon que era tropeiro e conhecedor de todos os caminhos que levavam a Mossoró.

O bando entrou no Rio Grande do Norte através do município de Luis Gomes, que fica na fronteira com a Paraíba. Em todo o seu trajeto, a caminho de Mossoró, foi praticando assaltos, assassinatos e depredações. Enquanto isso, as notícias chegavam a Mossoró. Sem poder contar com apoio do Governo do Estado, coube ao Prefeito, Rodolfo Fernandes preparar a defesa da cidade, contando com a ajuda da pequena tropa policial que aqui existia. O tenente Laurentino era o encarregado dos preparativos. E como tal, distribuía os voluntários pelos pontos estratégicos da cidade. Haviam homens instalados nas torres das igrejas matriz, Coração de Jesus e São Vicente, no mercado, no telégrafo, companhia de luz, Grande Hotel, estação ferroviária, ginásio Diocesano, na casa do prefeito e demais pontos.

O plano de lampião era chegar a uma localidade conhecida como Saco, que ficava a uma distância de dois quilômetros de Mossoró, onde abandonariam as montarias e prosseguiriam a pé até a cidade. O cangaceiro Sabino comandava duas colunas de vanguarda. Uma das colunas era chefiada por Jararaca e outra por Massilon.  Lampião comandava a coluna da retaguarda.

Enquanto cangaceiros e voluntários se preparavam para o combate, o restante da população, que não participaria do mesmo, tentava deixar a cidade.  Eram velhos, mulheres e crianças, pessoas doentes, que não tinham nenhuma condição de enfrentar, de armas em punho, a ira dos Cangaceiros.

A cena era dantesca desde o dia 12 de junho.  Nas ruas, o povo tentava deixar a cidade de qualquer maneira. Mulheres chorando, carregando crianças de colo ou puxadas pelos braços, levando trouxas de roupas, comida e água para a viagem, vagando na multidão sem rumo. Era uma massa humana surpreendente que se deslocava pelas ruas da cidade na busca de transporte, qualquer que fosse o meio, para fugir  antes da investida dos Cangaceiros. Famílias inteiras reunidas, em desespero, lotavam os raros caminhões ou automóveis que saíam disparados a caminho do litoral. Muitos, sem condição de transporte, tratavam de conseguir esconderijo dentro ou fora da cidade. A ordem dada pelo prefeito era que quem estivesse desarmado saísse da cidade por precaução.

E na tarde do dia 13 de junho, dia de Santo Antônio, deu-se o combate. Nessa hora, segundo o chavão local, “choveu balas no país de Mossoró”. Por volta das quatro horas foram avistados os primeiros cangaceiros, vindos do bairro Alto da Conceição. O dentista Assis Brasil, do alto da torre da catedral de Santa Luzia, munido de um potente binóculo, foi quem primeiro viu e deu o alarme tocando os sinos da catedral. O exemplo foi seguido pelos que se encontravam na torre da igreja de São Vicente e Coração de Jesus, de modo que de qualquer lugar da cidade podia se ouvir os sinos de Mossoró dobrando em alerta. E nesse momento ecoam os primeiros tiros, ao mesmo tempo em que nuvens carregadas cobriam a cidade, fazendo cair uma chuva rápida com raios e trovões, como se Santo Antônio, o homenageado do dia, reclamasse da atitude dos cangaceiros.

Apesar da estratégia de Lampião de atacar ao mesmo tempo pontos diferentes da cidade, como a casa do prefeito, o telégrafo e estação ferroviária, o único combate havido foi o da casa do prefeito. E era esse o ponto mais bem guardado da cidade. Havia gente posicionada na torre da Igreja de São Vicente, nas platibandas da casa do prefeito e da casa vizinha, que dava para a esquina, e havia também a trincheira de chão, na frente da casa do prefeito, formada por fardos de algodão. Dessa forma, todos os ângulos da rua estavam cobertos por atiradores.

Da parte dos cangaceiros a situação não estava fácil. Havia uma grande área descampada entre eles e a trincheira do prefeito. Lampião e seu grupo havia seguido direto, pela estrada de ferro, em direção a estação ferroviária e por achar grande resistência naquela parte, tinha ido se abrigar nas tumbas do cemitério. Massilon e Sabino, com seus grupos, tentavam vencer a resistência para prender o prefeito. Num ato de desespero, o cangaceiro Colchete improvisou uma bomba incendiária com uma garrafa cheia de querosene onde introduziu um molambo servindo de pavio (coquetel molotov), e saiu de peito aberto tentando incendiar os fardos de algodão. Nesse momento foi atingido por uma bala na cabeça, morrendo instantaneamente. Jararaca, num ato de igual bravura, tenta chegar até ele para aliviá-lo dos seus pertences, como era costume entre eles. Nesse momento foi atingido no peito. Mesmo ferido tentou fugir e mais uma vez foi atingido na perna. Mesmo assim conseguiu sair do campo de batalha, mas foi preso no dia seguinte e justiçado pela polícia cinco dias depois.

Lampião, ao ser avisado das baixas e das dificuldades de seguir com o plano, dá ordem de retirada, amargando a primeira grande derrota na sua carreira de crime.

O quarto e último ato do espetáculo Auto da Liberdade diz respeito ao primeiro voto feminino, concedido a Professora Celina Guimarães Viana.

A Lei de nº 660, de 25 de outubro de 1927, sancionada pelo Governador José Augusto Bezerra de Medeiros regulamentando o Serviço Eleitoral no Estado do Rio Grande do Norte, estabelecia  não mais haver “distinção de sexo”  para o exercício do sufrágio eleitoral e condições de elegibilidade. O projeto que alterava a lei ordinária foi de autoria do deputado mossoroense Adauto Câmara, que o apresentou na Assembléia Legislativa com aprovação unânime.  E foi com base nessa Lei que a 25 de novembro do mesmo ano, a professora Celina Guimarães Viana requereu sua inclusão no alistamento eleitoral. Seu requerimento preencheu todas as exigências da Lei e nesse mesmo dia, verificados os documentos que o acompanhavam, exarou o Juiz Israel Ferreira Nunes, então Juiz Eleitoral de Mossoró, em substituição ao Dr. Eufrásio de Oliveira, seu jurídico despacho, mandando incluir o nome da requerente na lista geral de eleitores deste município. Coube, portanto, a D. Celina Guimarães Viana a condição de primeira mulher a obter o direito de voto, não só deste Estado como do país e de toda América Latina.

No entanto, vale salientar que não foi D. Celina a primeira mulher a requerer a sua inclusão no alistamento eleitoral. Quem o fez foi à professora Júlia Alves Barbosa, que era catedrática da Escola Normal de Natal, em 24 de novembro de 1927. Teve, todavia, deferimento retardado pelo Juiz Manuel Xavier da Cunha Montenegro, da 1ª vara da capital, dada a condição de solteira da requerente, somente despachado e publicado pelo Diário Oficial do Estado em data de 1º de dezembro”. Dessa forma, coube a D. Celina o pioneirismo.

São esses os fatos históricos representados no espetáculo Auto da Liberdade.

 

Escritor: Geraldo Maia do Nascimento – [email protected]

Deixe um comentário