Arte e reciclagem

Por Márcio de Lima Dantas

Elson Henrique de Oliveira Mesquita, nascido em Almino Afonso, (1988) trabalha com
esculturas à base de reciclagens há cerca de 3 anos. Começou trabalhando no Museu do
Sertão, com o Prof. Benedito Vasconcelos. O surgimento do seu ofício assomou a partir
de ter ficado desempregado. Curioso despertar, para quem tenta compreender os
meandros da arte na alma daqueles que detêm o talento da intuição artística.

Parece que a vida só quer uma desculpa para ungir alguém com a capacidade de
produzir um objeto de arte, eivado de singularidade e destoante dos demais objetos que
povoam o que chamamos de Realidade. Com Elson, foi o fato de estar desempregado.
Poderia ser qualquer outro? Sim, pois as Moiras (O Destino) são vestidas do elemento
surpresa, nunca deixando entrever o que resguarda para as criaturas.

Para efeito de compreensão, podemos classificar a obra do artista em duas formas
básicas de construir os objetos. Temos os que são elaborados a partir de sucata, de peças
que pertenceram a engrenagens ou partes de coisas feitas a partir do ferro ou do aço.
Creio que é aqui onde o artista se sai melhor, onde revela um grande senso de
originalidade ao congregar numa peça, – como a elegante cabeça de um cavalo ou um
belo touro -, o conjunto de mínimas peças que pertenceram a outras máquinas, outros
mecanismos. Resta a despótica ostentação de seres paralisados, como a referendar a
capacidade de se reorganizar o mundo a partir do que foi desfeito ou descartado. Um
universo edificado com aquilo que se convencionou que não há mais valor, vindo a ser
obra de arte de grande feitura, com esmero e irradiando beleza para o expectador.

Creio não ser tão fácil criar a partir do que a sociedade de consumo descartou como algo
que não detém mais valor prático, utilitário, relegando às sucatas, aos monturos e aos
depósitos com sua mescla de inertes peças, num conjunto aleatório. E que tão somente o
olhar sagaz do artista consegue divisar uma outra forma a partir daquilo que é basculho.
Eis uma alma dotada de sensibilidade artística, que consegue extrair das rumas do que
fora outrora algo uno e como uma função um outro haver, justapondo peças para vir a
engendrar um novo objeto, agora não mais com caráter utilitário, mas com valor
estético, valendo por si e não como parte de um todo.

A segunda categoria de objetos que Elson constrói tem em vista, sobretudo, animais que
pertencem ao cotidiano do viver rural. É o majestoso touro, com seus belos chifres,
ostentando sua virilidade. Para mim, os mais curiosos são os bodes, mormente um
elaborado com alumínio. Este animal iconifica a capacidade de resistência face a um
meio que nem sempre oferece as condições propícias a um viver mais confortável. Há
que se debelar o clima e a vegetação da caatinga. Nesse sentido, representa o estoicismo
de quem deve se adequar a um meio hostil, para sobreviver. É consabido a capacidade
do bode de se fazer perdurar diante do que o meio proporciona, sendo capaz de
sobreviver com o que a natureza oferece.

Algo bastante curioso na elaboração dos bodes é a necessidade que o artista tem de
ressaltar a “masculinidade” desses animais, como se quisesse dizer de uma força atávica
que a natureza imprimiu no animal. As proporções parecem querer dizer de serem
dotados de uma força que os consagra como capazes de enfrentar um meio ambiente
nem sempre favorável, sobretudo na estação seca da região Nordeste.

Mas o trabalho de Elson não se limita a esses dois conjuntos básicos que aqui
classifiquei. Sua obra é multifacetada, representando desde personagens universais
como D. Quixote e Sancho Pança, até outros mais regionais, como Antônio
Conselheiro. Há uma bela cabeça de águia dourada, de fatura extremamente elaborada.
Essa capacidade de representar ícones que pertencem ao Imaginário Ocidental
demonstra uma rara sensibilidade artística: a de pensar o todo tendo sempre em vista as
partes que serão justapostas, algo não passível de ser elaborado por qualquer um, mas
advindo de uma imaginação que reelabora um mundo a partir do que um outro deixou
de lado, abandonou, tornou sucata, fez de um antigo mecanismo partes largadas em
algum lugar qualquer.

 

 

Deixe um comentário