Alex Medeiros: O ditador Chaplin

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Teria sido Machado de Assis, no romance O Alienista, o verdadeiro autor do conceito “olhando de perto, ninguém é normal”, popularizado no século XX por Caetano Veloso na canção “Vaca Profana”, resumindo a frase e a deixando com a força de um slogan. Todo e qualquer contexto em que ela, a frase, se veste de prática há de ser composto por pessoas em relacionamento íntimo.

Aliás, mesmo sem ter lido Machado ou conhecido Caetano, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, estudou o caso a fundo. A vida e a História estão repletas de gente de bem, pessoas adoráveis no espaço público, mas intragáveis na convivência a dois. No ambiente político, da direita à esquerda, então, há uma horda de ditadores vestindo fantasias de democratas.
Um dia, num leilão realizado em um antiquário da cidade de Plymouth, na Inglaterra, venderam por 15 mil libras esterlinas um documento achado num velho banco de Los Angeles. Era o processo de um divórcio litigioso.
A separação legal de Charlie Chaplin e sua segunda esposa, Lita Grey. O documento mostrou que ela pediu US$ 831 mil de indenização, cifra recorde para a época. Eram os míticos anos 1920, no início do glamour em Hollywood.
Chaplin casou com Lita em 1924, para não ser preso, pois tinha 35 anos e ela apenas 16 e já estava grávida do primeiro filho. O casamento durou três anos e produziu duas crianças e muita confusão e conflitos na cabeça da jovem.
Na ação de divórcio, Lita Grey denunciou um Chaplin autoritário e de conduta sexualmente escatológica para a época. Segundo reportagem do jornal Daily Mail, o processo revela taras que poderiam levar o criador de Carlitos à cadeia.
Tentava obrigá-la a praticar atos sexuais considerados ilegais e moralmente imundos nos Estados Unidos do começo do século XX. Chaplin brigava com Lita por não aceitar ir para a cama com ele na companhia de uma outra mulher.
Gritava que todos os casais do mundo faziam aquelas coisas que ele pedia que ela fizesse. Alegava que a juventude e inexperiência dela atrapalhavam sua compreensão sobre o amor entre marido e mulher. E exigia que fizesse tudo.
“As exigências eram tão repugnantes, degradantes e ofensivas para a demandante e havia tanta falta de dignidade em nível pessoal e falta de respeito, que eram um choque para sua sensibilidade refinada e repulsivas para sua moral”, disseram os advogados.
Chaplin ainda estava casado com Mildred Harris, sua primeira mulher quando seduziu Lita, de 15 anos. Quando Mildred ficou grávida, aos 16, correu para separar-se e consumar um casamento às pressas para evitar problemas.
Durante a carreira, Chaplin produziu obras maravilhosas que estão eternizadas graças às delicadezas e ingenuidades dos personagens que compôs. Alguns filmes são odes às liberdades individuais e aos direitos civis das minorias.
Quando Lita Grey decidiu denunciar a anormalidade do marido na intimidade, os seus advogados produziram rapidamente um documento de 50 páginas e que foram mostrados aos estúdios para que estes pudessem calcular o valor do seu patrimônio.
O acordo evitou um escândalo. Chaplin foi casado quatro vezes: a primeira, Mildred, a segunda, Lita, ambas com 16 anos; depois conheceu Paulette Goddard, que já tinha 22, que foi trocada por Oona O’Neill, de 18, com quem viveu até morrer, em 1977.
Seu maior legado cinematográfico é um doce e engraçado vagabundo, antítese de qualquer ditador.

Publicado em Tribuna do Norte

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