A GUERRA DO BRASIL ( 1 ) Geraldo Melo (Ex-governador)

Geraldo Melo

(Artigo publicado na TRIBUNA DO NORTE no dia 22/01/2017)

Em uma situação de guerra, não adianta continuar fingindo que a segurança pública está ameaçada apenas pelos presídios.

NÃO É FORÇA DE EXPRESSÃO dizer-se, como tenho dito, que estamos em guerra. Em uma situação que não apenas justifica mas exige a presença das Forças Armadas em uma grande operação nacional de combate ao crime organizado, que, como tudo indica, o Presidente Temer parece ter, finalmente, decidido desencadear.
Não basta, entretanto, dizer aqui que estamos em guerra, e pronto.
Estamos mesmo? E o que é guerra? A nossa conversa tem de começar por essas perguntas.
Este tema tem sido objeto de muita especulação acadêmica, ao longo de séculos. Um conjunto de hipóteses fundamentou a tese de que o caráter anárquico e não hierárquico das relações entre os Estados do mundo leva a que a simples existência e maior organização de um deles gere insegurança e hostilidade nos vizinhos, o que seria a semente da guerra.
Esta é uma espécie de modernização da tese de Hobbes da guerra de “todos contra todos”que o homem, ao sair do que chamava de “estado natural”, protagonizaria instintivamente na suas primitivas relações com outros homens, tese que Rousseau retificou e ampliou, à sua maneira, um século depois.
Talvez esta seja a raiz da impressão generalizada de que, para que uma situação possa ser definida como guerra, é necessário que seja um conflito entre paises.
Suponho que é esse argumento que fundamenta a opinião vigente no Brasil de que as nossas Forças Armadas existem apenas para defender o país contra o inimigo externo. É o mesmo que dizer que, enquanto não tivermos um, não precisamos de ter Forças Armadas.
A doutrina que só considera guerra os confrontos entre paises é, entretanto, antiga. Antiquada. Obsoleta. Atrasada.
Após 1945, quando terminou a II Guerra Mundial, a sociedade internacional se reconfigurou. Embora mantidas as relações anárquicas entre eles, mudou radicalmente a natureza dos Estados que passaram a existir.
A confrontação entre Estados cedeu lugar a disputas étnicas, ideológicas, religiosas dentro de um mesmo país, como na Síria de Bashar al-Assad, e na Colombia, com as FARC.
Estudos publicados por fonte idônea (International Political Science Review, 1995, Vol.16, No.4) mostram que, entre 1945 e 1995, ocorreram no mundo 187 conflitos armados, dos quais 129 (69%) foram confrontações decorrentes de problemas internos. A atualização desses dados para incluir mais 21 anos a partir de 1995 certamente reforçará ainda mais o que estou dizendo aqui.
Assim, penso que a questão a responder é: quando se pode dizer que turbulências internas em qualquer pais se transformaram em guerras? O que significa, quanto a isto, o fato de haverem morrido na Siria 256.124 pessoas de 2011 a 2015 e, no Brasil, no mesmo período, a violência ter matado 278.829 brasileiros , ou seja, 22 mil pessoas a mais? (V. Anuário Brasileiro de Segurança Pública/Forum Nacional de Segurança Pública).
Das inúmeras respostas à pergunta sobre a configuração objetiva de uma situação de guerra, fico com a de Kalevi J. Holsti, pois, para mim, a guerra se instala “quando organizações internas ou externas põem em risco a capacidade efetiva de o Estado nacional exercer o seu poder de coerção dentro da lei”.
Com o que temos assistido ultimamente no Brasil, estamos ou não estamos em guerra? Vamos complementar essa discussão nos próximos artigos..