A Crise do Cinema de rua de Mossoró – por Geraldo Maia

A Crise do Cinema de rua de Mossoró – Geraldo Maia do Nascimento – [email protected]

A Crise do Cinema de rua de Mossoró

O triste fim do Cine Pax, último dos cinemas de Mossoró a fechar suas portas, não difere muito do que aconteceu com diversos cinemas de rua do Brasil. Espaços tradicionais como o Cine São Luís, Nordeste, Rio Grande, Rex e Panorama, em Natal, deixaram de ser abrigo da sétima arte para se tornarem estabelecimentos comerciais e igrejas, o mesmo acontecendo no demais Estados brasileiros.

Bem sabemos que os tempos são outros. Antigamente os cinemas faziam parte do dia-a-dia de Mossoró. As pessoas os frequentavam e, pelo que elas dizem em depoimento, principalmente as pessoas mais velhas, é que elas se encontravam no cinema. Ir ao cinema era um programa diferente, as pessoas se preparavam para ir ao cinema, se produziam, como se dizia na época. Era um evento. E isso foi mudando, principalmente na década de 70, quando começou a decadência do cinema. E essa decadência teve início quando os cinemas começaram a enfrentar a concorrência da televisão, que começou a exibir filmes, e principalmente do VHS. Isso era uma inovação tecnológica e todo mundo queria ter um aparelho de videocassete em casa. Tinha a grande vantagem de poder escolher o filme que desejava assistir, clássicos ou populares, desde os filmes antigos até os mais modernos lançamentos de Hollywood, sem sair de casa. Outro motivo que contribuiu para o fechamento das salas de cinema foi o crescimento da cidade e a especulação imobiliária. Os cinemas como o Pax, Caiçara e Cid eram grandes edifícios em lugares estratégicos da cidade. Ruas centrais e bem movimentadas. As pessoas encontravam dificuldades de estacionar os carros e ainda passaram a enfrentar problemas de violência. Coisas do dia-a-dia das cidades em desenvolvimento. Não era um problema local. Todas as grandes cidades brasileiras sofreram esses problemas com os cinemas de bairro. Essa crise nos cinemas fez desabar as bilheterias, inviabilizando o funcionamento das salas. E as igrejas evangélicas, principalmente a Igreja Universal, começaram a ocupar vários cinemas, porque ali era um lugar ideal, que já estavam prontos: tinham o palco, as plateias cheias de cadeiras, em pontos centrais já bastante conhecidos por todo mundo. E com a baixa bilheteria, já não era viável para os proprietários manter as salas funcionando, sendo mais vantajoso alugar os imóveis. E isso não aconteceu apenas nas capitais e cidades maiores. A maioria das cidades do interior tinham cinemas, e praticamente todos foram fechados. É difícil você ver um cinema no interior hoje que conseguiu se manter como cinema. Pelo mesmo motivo: Novas tecnologias e especulação imobiliária.

Houve até mesmo uma tentativa de adaptação, antes do fechamento definitivo das salas, que terminou mais prejudicando do que ajudando os cinemas. Começaram o optar por outro tipo de público, que era o das artes marciais e pornô. Vários conseguiram sobreviver buscando esse tipo de público e se mantiveram com isso até não suportarem mais. E aí teve cinema abandonado, teve cinema que virou lojas comerciais e por aí afora. Em Natal, o Cine Rio Grande, que era um dos mais belos da cidade, que de início funcionava como cineteatro, abrigando grandes eventos, chegou mesmo a sofrer uma reforma em sua estrutura, sendo construídas três salas pequenas no espaço que antes abrigava uma só, passando filmes diferentes em cada sala. Isso deu uma sobrevida ao espaço, mas depois sucumbiu, sendo transformada em mais uma Igreja Universal. Em Mossoró todos os cinemas citados foram se transformando. O Pax virou loja comercial; o Caiçara foi demolido para a construção de um edifício comercial; o Cine Cid foi o único que conservou as suas características, porque foi vendido ao Governo do Estado do Rio Grande do Norte para ser transformado em Teatro Estadual.

Um impacto tão grande na cultura cinematográfica, causou  também impacto no cinema nacional. Números da Ancine – Agência Nacional de Cinema, demonstram que, na década de 70, quando tínhamos muitas salas de cinema e quase a totalidade delas em cinemas de rua, os filmes nacionais que ultrapassavam a marca de 2 milhões de espectadores girava entre três a quatro por ano. Durante a década de 90, este número baixou para menos de um por ano, e só voltou a aumentar na década de 2000, quando o governo voltou a financiar o cinema nacional através dos incentivos a cultura.

Com todos esses problemas, por um bom tempo Mossoró ficou sem nenhuma sala de cinema. Com a instalação de um shopping na cidade, voltou a contar com esse serviço e com grande vantagem, pois nesse novo espaço o público passou a ter mais conforto, com vaga para estacionar, segurança e outros atrativos como restaurantes, lanchonetes e diversas lojas de grif. Desse modo houve uma mudança no perfil das pessoas que assistem filmes em cinemas. Vão ao shopping, assistem um filme, compram roupas, podem jantar ou fazer apenas um lanche, sem precisar entrar no carro para ir a outro lugar. Tudo está no mesmo espaço. Além do mais, as salas de cinema dos shoppings oferecem muito mais opções de filmes, com tecnologia 100% digital e salas totalmente digitalizadas que operam em modo 2D e 3D.

Hoje Mossoró conta com as salas instaladas no Partage Shopping de Mossoró, que faz parte da rede Multicine Cinemax, empresa brasileira com sede em Goiânia, que é uma das redes que mais cresce no Brasil. Mas com a mudança dos espaços, mudou também o modo de fazer filmes e de assisti-los. Por consequência, mudou também toda a configuração cultural da sociedade em relação ao cinema. Como o shopping é um grande centro de convívio e de consumo, com lojas, alimentação e diversas outras atividades, o cinema também se transformou em um ato de consumo, ou seja, o cinema virou coisa de consumo, o templo de consumo.

Há várias críticas que fazem a Mossoró como “a terra do já teve”. E uma das críticas que se faz é que “Mossoró já teve cinemas de rua”. Isso me lembrou um poema de Carlos Drummond de Andrade intitulado “o fim das coisas”, que fala do fechamento do cinema Odeon, do Rio de Janeiro. Vamos finalizar o artigo socializando esse poema:

O fim das coisas

Fechado o Cinema Odeon, na Rua da Bahia. Fechado para sempre. Não é possível, minha mocidade. Fecha com ele um pouco. Não amadureci ainda bastante para aceitar a morte das coisas, que minhas coisas são, sendo de outrem, e até aplaudi-la, quando for o caso. (Amadurecerei um dia?) Não aceito, por enquanto, o Cinema Glória, maior, mais americano, mais isso-e-aquilo. Quero é o derrotado Cinema Odeon, o miúdo, fora-de-moda Cinema Odeon. A espera na sala de espera. A matinê com Buck Jones, tombos, tiros, tramas. A primeira sessão e a segunda sessão da noite. A divina orquestra, mesmo não divina, costumeira. O jornal da Fox. William S. Hart. As meninas-de-família na plateia. A impossível (sonhada) bolinação, pobre sátiro em potencial. Exijo em nome da lei ou fora da lei que se reabram as portas e volte o passado musical, waldemarpissilândico, sublime agora que para sempre submerge em funeral de sombras neste primeiro lutulento de janeiro de 1928.

pesquisador e historiador  – Geraldo Maia do Nascimento – [email protected]

 

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