Pílulas para o Silêncio (Parte CCCXXX)

 

Clauder Arcanjo*

(Medusa, pintura de Caravaggio)

 

          Quando ficou sabendo das inscrições para o triatlo, informou-se em que dia seria, como se daria, quem poderia participar… No dia seguinte mudou-se para uma praia bem deserta e distante a fim de nada acerca disso ouvir nem ter a menor vontade de participar dessa loucura.

 

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Tomava chá à tarde na intenção de ter laivos de inglesa. Vestia-se à Chanel no intuito de arremedar os passos de Bardot. E se irritava com os modos de Galdino Fuzarco, dando-lhe uma coça, com receio de perder a sua força de mulher nordestina.

 

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Dono de um talento ímpar para a escrita, Sandoro Plutínio resolveu inscrever-se no curso “Escreva como Machado em quarenta dias”. Depois da primeira aula, acerca da pertinência da síntese, cortou tanto, mas tanto, que aquilo que nascera como um conto de duas páginas reduzira-se a um parágrafo. Sujeito oculto e emagrecido de qualquer advérbio ou adjetivo. Na aula seguinte, ao apresentar a sua criação ao mestre de ilustre saber, este lhe sugeriu mais alguns cortes. No final do curso, quando publicou o conto na antologia literária da província, o silêncio. Ninguém entendeu o “Fui!”.

E Plutínio nunca mais repetiu aquele espanto.

 

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Fonte de rancor é meia dúzia de literatos analisando a prosa e a poética alheias.

 

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Um minuto atrás o cunhado julgara-o um homem perfeito. Até lhe negar um empréstimo de dez mil. A partir daí assentou-lhe a pecha de desumano e ranzinza.

 

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Cobra sem veneno vive mais quando se finge de morta. Escritor sem talento tem carreira mais promissora quando anuncia sua obra-prima, mas nunca a publica.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

 

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