Risos mínimos – Clauder Arcanjo

Voltou para casa dois anos depois, apenas para flagrá-lo dormindo, triste e solitário, e dizer-lhe:

— Ri melhor quem ri por último.

 

&&&

 

Não sorrira, quando ela se aproximara com seu vestido de festa e uma rosa vermelha no cabelo penteado; não por não tê-la no coração, mas, sim, porque perdera dois dentes da frente no boticão.

 

&&&

 

“Rir é o melhor remédio.” Prescreveu o psiquiatra turrão, em meio a uma carrada de impropérios e de má-criação.

 

&&&

 

Bebeu, zanzou, jogou e perdeu tudo no baralho.

Ao acordar no dia seguinte, a voz tonitruante da esposa a solfejar uma melodia eivada de breguice. Na cabeceira, um bilhete em letra cursiva, decorado por corações e beijinhos: “Azar no jogo, sorte no amor.”

Ninguém entendeu nada, quando ele disparou porta afora.

— Meu reino por um baralho.

 

&&&

 

Na feira do domingo, ele levou Maria. A intenção era vender o burro e entreter a esposa, vista sempre agarrada com a tristeza pelos cantos da casa.

Quando viu aquele jovem cigano, interessado na compra do jerico, com a boca cheia de ouro e a fala macia para cima de Maria, falou de si para si:

— Um olho no burro e outro no cigano.

 

&&&

 

O compadre prometeu-lhe mundos e fundos. “Pode ir, amigo José! Eu cuidarei de tudo.”

Antes de viajar, confiante, José entregou-lhe uma procuração. No corpo da mesma, a expressão: “… representante com amplos poderes… plenipotenciário”.

Ao retornar dois meses depois, viu-se desprovido de todos os bens. José estava pobre, na mais pura acepção da palavra.

Quando um caminhão passou na frente do seu casebre, José leu no para-choque traseiro: “A boca do ambicioso só se fecha com sepultura.”

José, então, pegou a sua velha espingarda e começou a limpar a lazarina, dia e noite, noite e dia. Ao ouvir a reclamação da vizinha Das Dores, confidenciou-lhe:

— A pressa é inimiga da perfeição.

 

Clauder Arcanjo. Contato: [email protected]