Clauder Arcanjo – CARTA DE NANTES

Num dia não tão azul, após uma noite abrigada no tom cinza, acordo com uma sentença de Sertillanges a espicaçar o meu cocuruto: “Os guisos da publicidade só tentam os espíritos fúteis”.

Sento à escrivaninha, e dou de cara com uma missiva d’além-mar:

Bom dia caro poeta,

Uma pequena reação ao seu texto. Ele me cutucou como quem diz com uma voz reprovadora: “Ei, preguiçosa! Já enviou as cartas para Clauder Arcanjo que prometeu? E o CD que ele lhe pediu? Já lhe enviou algum escrito sobre os textos que recebe dele?”. Aí, dá um friozinho na barriga, sabe?, uma sensação de dever não cumprido… que me faz ficar, como de costume, descontente de mim.

Então, arrumei, quer dizer, desarrumei seu texto para devolver-lhe em guisa de resposta ao “dever de casa” não cumprido por esta sua leitora relapsa.

Um abraço!

Sueleide de Amorim

***

Diálogo DILetrado (Relendo Clauder)

— Alguém me ligou?

— Ninguém. Mas há uma leitora longínqua que está sempre se dizendo: “Tenho que ligar para ele, falar com ele, marcar um encontro com ele…”.

— Algo para mim?

— Nada. Quer dizer, ainda não. Mas não se desespere que vai chegar. Há coisas que estão na gaveta, começadas, precisando ser arrematadas. Seus leitores são muito ocupados. E também não querem enviar-lhe qualquer coisa, assim, feito às pressas, só para dizer que enviou…

— Alguma sobra?

— Nenhuma. Mas, como digo, tenha paciência. Você não merece sobras. Merece comentários escritos com o devido cuidado literário que a correspondência epistolar exige.

— No meu futuro, algo à vista?

— Deixe-me ler os búzios. Hummm… A resposta está em inglês: “NIL”. No mínimo, deve ser “zero”. Todavia não leve em conta, caro poeta, porque estes búzios aqui são para turistas. Os búzios para os nativos tupiniquins, para os que se expressam na “Última flor do Lácio”, eu os deixei em casa. Passe outro dia e verá que vai ter surpresas boas!

— …?

— Você sabe como é, a gente tem que ganhar a vida de qualquer jeito. Com essa crise, e o preço do feijão como está, eu agora venho jogar os búzios por essas bandas. Aqui é por onde passam mais turistas. Uma clientela boa danada! Eu me adapto. Até pra mim, tá difícil, ‘broda’! Tenho feito vários bicos pra sobreviver: carteiro, secretário, conselheiro, “coach”, tudo! Mas, como somos velhos amigos, vou ser sincero. Cá entre nós, não acredite muito no que dizem os búzios porque às vezes a gente se engana na leitura, sabe? Depois de tomar umas e outras, e dependendo da cara do cliente, e da chateação do dia, a gente lança uma resposta assim ou assado; mais pra desabafar o mau humor do que para agradar o bestalhão. Outro dia veio me ver uma senhora, meio afrancesada, e me perguntou a mesma coisa. Eu respondi-lhe em cima da bucha (mas pensando cá comigo, “ah, não enche o saco, meu!”): “Não há nada para a senhora! Rien du tout!” Aí ela me respondeu com um sorriso: “J’attendrai, alors; ça finira par arriver“!

Assim lhe digo. Não se desespere. Um dia chega algo para o senhor. Disso pode ter certeza!

Sueleide de Amorim Suassuna

Nantes, França, aos 29/06/2016

Clauder Arcanjo

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