Clarissa Torres: feminilidade e ruptura de paradigmas

A presença da arte na vida de Clarissa Fernandes Monte Torres (04.02.1983) remonta à sua infância, desde pequena gostava de desenhar, ademais sua mãe desenhava e pintava. A arte não poderia evitar seu desabrochar em uma pessoa na qual já se meclavam talento e próxima familiaridade. Em Mossoró chegou a tomar aulas com Careca. Tendo depois estudado em Campinas SP, com a professora Marta Stramb, na qual se fez grande devoradora de técnicas e artifícios, aprimorando a sua já capacidade que a acompanhava desde sempre.

Detentora de um traço bastante próprio, a artista optou por retratar pin-ups, que são mulheres com fronteiras beirando à caricatura, porém detentora quase sempre de forte sensualidade. Mesmo tendo elegido esse monotema, não caiu no repetitivo, visto sua criatividade permitir elaborar variações a partir da retratação dessas mulheres que se comprazem em fazer do seu corpo toda uma série de gestos e maneiras capazes de imprimir grande originalidade a seu trabalho.

Mas o que seria pin-up? O termo vem do inglês e significa “pendurar”. Durante as décadas de 30, 40 e 50 havia o hábito de se pendurar imagens de mulheres impressas nos catálogos e calendários, via de regra onde habitavam os soldados ou mesmo em locais de trabalho de homens, como as oficinas, por exemplo.

O que despertava a atenção era uma aura de inocência expressa no semblante que, a bem da verdade, não passava de uma espécie de dengo para cativar o expectador ou chamar a atenção dos homens. Malícia principalmente nos grande olhos, que faziam crer que por trás daquela ingenuidade havia mais o que explorar… Consabido é que ainda hoje uma grande parte dos homens se deixam atrair por meio dessas poses ou desse jogo de esconde-esconde, em lúdicas brincadeiras de sedução.

Sucede que a mulher veio mostrar sua feminilidade, não numa atitude de se igualar aos homens, mas de mostrar o que de distinção havia. Não somente pelo peculiar da indumentária, mas por uma outra forma de contemplar o mundo. A igualdade homem-mulher é uma luta que concerne à Política, no que diz respeito a buscar a ausência de preconceitos ou proteger um lado

que se constituiu historicamente mais frágil, fazendo do patriarcado os donos do poder. Ora, não é a mesmo modo de se colocar frente à realidade e aos problemas que a vida apresenta, mesmo no sentido físico há quem diga que a mulher é mais tolerante do que o homem. Com relação à capacidade de ter paciência ou lidar com enfermiços e moribundos, também se faz mais forte. Claro que tudo isso foi historicamente construído, foram convenções constituídas para fazer prevalecer o mando do masculino. A bem da verdade, tais características oscilam de homem para mulher e de mulher para homem.

Sintomático é que Clarissa Torres elegeu a linha curva para elaborar suas pinturas e desenhos. Bem sabemos que a linha curva está para o feminino como a linha reta se bandeia para o masculino. Os ângulos retos evocam o uso da lógica e da razão, atributos relacionados ao masculino. A linha curva até naturalmente já diz respeito à mulher, com seu corpo cheio de curvas.

Com efeito, esse uso da linha curva reforça e faz saber de uma feminilidade que mostra sua diferença, dizendo de uma outra sensibilidade, de uma outra apreensão do mundo, de uma outra forma de compreender a realidade. A exarcebada feminilidade das pin-ups de Clarissa Torres, além de serem de grande originalidade como objeto estético, subverte uma maneira linear de contemplar o entorno: fala com eloqüência não de uma que virá a ser a metade do masculino, mas uma maneira outra de pensar e sentir o que nos cerca.

Márcio de Lima Dantas