PEC da blindagem: mobilização digital enterra proposta no Congresso

 

A recente mobilização popular no ambiente digital, que transformou a expressão “Congresso contra o povo” em trending topic na plataforma X (antigo Twitter), foi decisiva para enterrar a votação da chamada PEC da blindagem, proposta que, até então, era considerada praticamente certa de aprovação. Levantamento da Nexus mostrou que a expressão “Congresso contra o povo” teve mais de 1,2 milhão de menções em poucas horas.

 

Em contraposição a modelos de movimentos fortemente emocionais ou simbólicos, essa manifestação combinou base técnica com capacidade de comunicação ampla, gerando uma reação que paralisou o avanço de uma proposta que, literalmente, blindava políticos de investigações. O texto avançava com tranquilidade nos bastidores e chegou a ter votação marcada, mas foi suspenso por falta de consenso entre partidos depois do amplo processo de mobilização. A pressão foi estimulada por comunicadores, ativistas políticos e parte da mídia.

 

A PEC que visava proteger os parlamentares de ações judiciais foi barrada também pela falta de apoio da maioria dos deputados diante dos excessos introduzidos na matéria, inclusive com dispositivos considerados claramente inconstitucionais.

 

Esse evento é um exemplo de como as mobilizações digitais assumem formatos distintos e, independentemente da estratégia, se conquistarem volume, conseguem impactar as decisões do Congresso.

 

Um fator interessante nesse processo é que o movimento contra a PEC da blindagem foi distinto, por exemplo, da estratégia do episódio do ECA Digital, em que a mobilização foi desencadeada por forte carga emocional. Naquele caso, o vídeo do influenciador Felca deu visibilidade a um tema técnico e transformou-o em urgência política. O fator decisivo foi o afeto coletivo.

 

Já a mobilização contra a PEC da blindagem teve outra natureza. Foi construída a partir da tradução de uma ameaça institucional em mensagens simples, que explicavam riscos como o cerceamento de investigações, o enfraquecimento do sistema de contrapesos e o favorecimento corporativo. O movimento não dependeu exclusivamente da emoção, mas de uma racionalidade cívica que, multiplicada nas redes, gerou engajamento suficiente para ajudar a travar o processo de aprovação da matéria. Contudo, assim como no episódio anterior, o resultado foi o mesmo: conseguiu mover o Congresso.

 

Vale destacar que a história brasileira registra inúmeros episódios em que a mobilização popular teve impacto direto na política, como nas Diretas Já. O que se observa agora de distinto é a capacidade das redes digitais de reunir públicos heterogêneos em torno de pautas comuns, com velocidade e amplitude inéditas, que podem se desdobrar em mobilizações offline ou permanecer no ambiente digital. Movimentos como o “Ele Não”, predominantemente digital, e a greve dos caminhoneiros em 2018, cuja organização contou com intensa coordenação via WhatsApp, exemplificam essa evolução.

 

Na prática, o que parecia uma matéria praticamente aprovada encontrou barreira na opinião pública digital, mostrando mais uma vez que a população articulada numa mobilização consistente pode, sim, definir a pauta do Congresso. Como observa Manuel Castells, as redes digitais criam novos espaços de poder e disputa simbólica, capazes de impor custos de reputação a instituições tradicionais, mesmo quando estas parecem politicamente consolidadas. Mais do que um episódio pontual, a reação contra a PEC da blindagem confirma que a política em rede vem se consolidando como um novo fator de influência no processo legislativo.

 

Por Vanessa Marques

@vanessamarques.mkt

Deixe um comentário