O ALIENÍGENA (PARTE XXXIII)
Clauder Arcanjo*

Tudo estava escuro. Silêncio de incomodar surdos. Eu a caminhar sobre
um solo arenoso; quanto mais avançava, mais sentia recuar.
Como a noite se espichava, arregalei cada vez mais a botica dos olhos
para ver se antecipava uma fresta de um amanhecer que nunca vinha.
Tropecei num troço grosso e caí. Ao me levantar, passei a mão naquilo
que me levara ao solo e senti uma pele grossa. Grossa como nunca sentira.
Segui com as duas mãos a tal da courama espessa; isso para ver se
desvendava o mistério. Não era algo pequeno, logo percebi.
Subi naquele troço; e, quando dei por mim, estava sentado sobre um
bicho enorme. Ele se levantou, eu me aprumei para não cair, e vi seus olhos de
fogo, a alumiar o meu medo, revelando-me que estava em cima de um…
dinossauro.
— Um dinossauro em Licânia!
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— Acorda, Acácio!
— Não, não, socorro! Um dinossauro. Por onde ele foi, Severíssimo
Pancão?
Severíssimo amassou os bagos, enquanto disparou:
— Eu bebo, e o Acácio é quem fica de porre? Maluco, você está vendo
coisas!
Companheiro Acácio encolheu-se, abraçando-se às próprias pernas.
Com pouco, abriu os olhos devagar, como a se certificar de que tudo não
passara de um simples sonho.
Nabuco, traquinas, tangeu um calango para junto do assustado homem.
Este, ao ver o réptil, fugiu em corrida desembestada, aos gritos de pavor:
— Meu pai do Céu, é o filhote dele.
— Volte aqui, seu filho de uma mãe frouxo! — exigiu Severíssimo
Pancão.
Qual o quê, caríssimo leitor! Acácio, em veloz fuga, a nos alertar:
— Fujam enquanto podem! O pai dele voltará depressa para se vingar
desta terra maldita!
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E eu, narrador surpreso, fico por aqui. Confesso que um dinossauro,
mesmo em pesadelo, pôs-me cabreiro com esta minha historieta.
Melhor dar um tempo com tal noveleta. Não sei o que pode mais
acontecer nesta narrativa de mistério.
Se um alienígena já era demais para alguns; se um gato, metido a
sabido, enchera o bornal de credulidade de outros; se um bando de
personagens frouxos tornara tudo tão malvisto pela crítica… Um dinossauro,
com um filhote em tez de calango, pôs o meu narrar em crise mortal.
Não sei se volto. Fomos felizes, enquanto durou.
— Isso parece juras de casório, seu Arcanjo!
Quem falou isso? Apareça, apareça!
“Tudo estava escuro. Silêncio de incomodar surdos. Eu a caminhar
sobre um solo arenoso; quanto mais avançava, mais sentia recuar.”
Nem pense em me plagiar, seu infeliz! Apareça, se for homem! Apareça!
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Severíssimo Pancão, que a tudo assistia incrédulo, coçou os bagos com
força. Em seguida, conferiu o “aroma dos bagulhos”, inspirando a essência do
odor escrotal.
João Américo, o protofilósofo de Licânia, mesmo distante da cena,
filosofou:
— In terra timorum, parvulus in gigantem mutatur.
Nem Deus, muito menos o Diabo, sabe o que virá.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-
grandense de Letras.