Taxar os mais ricos não é criar imposto: é corrigir uma distorção histórica
Nos últimos meses, o debate público sobre a tributação das grandes fortunas, fundos exclusivos e heranças voltou ao centro das atenções. A proposta do governo Lula tem sido alvo de críticas por parte de setores da elite econômica e, principalmente, de seus representantes no Congresso, especialmente o chamado Centrão. Mas é preciso separar o que é narrativa política do que é fato econômico. Vamos lá!
1. Lula não está criando impostos — está corrigindo uma injustiça
Dizer que o governo está “criando imposto” é uma distorção. O que está em jogo é a correção de uma anomalia no sistema tributário brasileiro: hoje, os super-ricos — pessoas com renda mensal acima de R$ 100 mil, donos de fundos bilionários e heranças multimilionárias — pagam proporcionalmente menos impostos do que a classe média ou os mais pobres.
Isso ocorre porque o Brasil taxa fortemente o consumo e o trabalho, mas taxa muito pouco o capital. Ou seja, quem trabalha e consome paga mais; quem vive de lucros e dividendos, de heranças ou de investimentos exclusivos, paga menos.
A proposta de Lula busca tornar o sistema mais justo, equiparando o Brasil ao que já é feito em democracias avançadas, como Alemanha, França, Estados Unidos e países nórdicos, onde os mais ricos contribuem mais justamente porque podem contribuir mais.
2. O que o governo está propondo, na prática?
Taxação de fundos exclusivos, que são produtos de investimento usados por pessoas ultra ricas e que hoje são isentos da tributação no mesmo modelo que os fundos tradicionais.
Cobrança de impostos sobre heranças internacionais, fechando brechas que permitem milionários esconderem patrimônio em paraísos fiscais.
Tributação de rendimentos de capital, como lucros e dividendos, que atualmente são isentos no Brasil, ao contrário da maioria dos países desenvolvidos.
Criação de faixas mais altas de Imposto de Renda para quem ganha muito acima da média, sem afetar a classe média ou os mais pobres.
Nada disso é uma “novidade radical” — tudo já é realidade fora do Brasil.
3. Por que isso é bom para o país?
O principal objetivo dessas medidas é reduzir a desigualdade social, uma das maiores do mundo. Segundo dados da Oxfam, os 5% mais ricos no Brasil concentram o mesmo que os 95% restantes. Essa desigualdade afeta a economia como um todo:
Freia o crescimento econômico: quando poucos concentram a renda, há menos consumo e dinamismo no mercado interno.
Sobrecarrega os serviços públicos: os mais pobres pagam proporcionalmente mais e recebem menos.
Aumenta a violência e a instabilidade: países mais desiguais tendem a ter maior criminalidade e menor coesão social.
Cria um ciclo de pobreza hereditária: quem nasce rico herda não apenas dinheiro, mas também privilégios fiscais; quem nasce pobre, herda barreiras sociais.
Tributar os super-ricos é, portanto, uma forma de tornar o país mais justo, próspero e estável.
4. E por que o Centrão está fazendo tanta resistência?
A resposta é simples: interesses de classe e de poder.
O Centrão é composto majoritariamente por parlamentares financiados ou ligados a setores do topo da pirâmide econômica — banqueiros, ruralistas, empresários, donos de grandes fortunas. Esses grupos temem perder privilégios.
Muitos parlamentares utilizam fundos exclusivos, recebem lucros e dividendos, ou têm patrimônio em paraísos fiscais. Votar contra essas medidas seria votar contra os próprios bolsos.
Além disso, parte da oposição vê na impopularidade fabricada contra Lula uma forma de enfraquecer o governo, mesmo que isso signifique manter a desigualdade.
Ou seja, não se trata de proteger o povo — trata-se de proteger interesses econômicos muito específicos, travestidos de discurso político.
5. O desafio é político, não técnico
Não faltam argumentos econômicos a favor da taxação dos mais ricos. O FMI, o Banco Mundial e até bilionários como Warren Buffett já defenderam esse modelo. A questão é que, no Brasil, quem tem mais dinheiro ainda tem mais poder político.
Mas esse cenário só muda com pressão da sociedade civil, mobilização nas redes e compreensão popular. Quando o povo entende que não se trata de aumentar impostos para todos, mas de fazer justiça tributária, a narrativa muda — e a política precisa se ajustar.
Para concluir, taxar os super-ricos não é uma ideia “comunista”, “radical” ou “autoritária”. É uma política pública racional, moderna e já aplicada com sucesso em diversas partes do mundo. O Brasil precisa enfrentar a sua desigualdade estrutural — e isso passa, inevitavelmente, por um sistema tributário mais justo.
Lula não está criando impostos. Ele está corrigindo um erro histórico. E quem é contra isso, em geral, não está defendendo você — está defendendo os próprios privilégios.
Por Joyce Moura – jornalista