O ALIENÍGENA (PARTE XXXII)
Clauder Arcanjo*

Perseu libertando Andrômeda, afresco de Pompeia.
— Sou eu, cambada de frouxos!
— Severíssimo Pancão! E nós que já o imaginávamos muitas léguas longe daqui, amigo! — saudou o Companheiro Acácio.
— Qual o quê? Fingi que fugia com os outros só para cubar melhor o ambiente.
Falava de mansinho, enquanto amassava os bagos.
Nabuco, que não suportava falhas de etiqueta entre cavalheiros, cuidou de resmungar em miados de protesto:
— Miau?!… Shufzzz!… Miau!…
— O que é que esse gato velho tem? Será que está com fome? Vou arranjar uma piaba para ele, não seria bom? — inquiriu o recém-chegado.
Afastei um pouco Nabuco da conversa, a fim de evitar maiores dissabores, bem como impedir interrupções na narrativa de Severíssimo.
— Continue, continue — pedi-lhe.
Severíssimo Pancão meteu a mão por dentro da calça de algodão surrada; e, antes de prosseguir, coçou os bagulhos com ritmo e força. Em seguida, avançou:
— Estranhei que, uma semana antes da primeira visagem com esse tal de a-lien… alien-gi…
— Alienígena, Pancão! — ajudei-o.
— Sim, pois muito bem. Uma semana antes, não sei se se lembram disso, deu entrada na Pousada do Santíssimo um homem de modos e falas de povo do estrangeiro. Passei a segui-lo e…
— E?!…
Meteu novamente a mão para amassar os bagos, depois levando-a em direção ao nariz, fungando profundamente, antes de continuar:
— Toda manhã, o cabra nem tomava café e já seguia para o Serrote da Rola. Lá media e remexia com tudo: recolhia pedras, riscava os paredões com um martelinho esquisito. No final, pesava o recolhido, pondo cada pedrinha numa balança diferente, levando-as em seguida para dentro do seu quarto na pousada.
Acácio olhou para mim. Nabuco arrepiou-se todo, como se aquilo tivesse jeito de arrumação…
Não deixei Nabuco se pronunciar, advertindo a todos:
— Não vamos interromper!
— E ninguém bebe aqui, não? Estou de língua seca, meu povo! — protestou.
— Acácio, traga um copo d’água para o Severíssimo — solicitei.
Antes do Companheiro fazer modos de se levantar, o sujeito disparou:
— Água nesta boca aqui não entra. Preciso de uma pinga, só ela mata esta minha sede!
Companheiro Acácio trouxe-lhe uma garrafa de Amansa Corno, cachaça famosa da Serra da Meruoca.
Quatro tragos depois, Severíssimo tornou à narrativa:
— E quanto mais o sujeito pesquisava, mais o ali-en… alien-gi…
— Miau?!… Shufzzz!… Shiz!…
— Nabuco, controle-se! Não podemos colocar a caçada no mato. Esse depoimento pode nos abrir uma linha nova e surpreendente de investigação! — soprei bem próximo do bichano.
— O que esse gato velho está querendo?
Nisso, a coisa resvalou para a luta livre. Nabuco partiu para cima do Severíssimo, e os dois se embolaram pelo chão de Licânia.
— Shizf… Miau…
(Traduzindo da linguagem felina, teríamos: “Gato velho são meus ovos!”)
Tentei separar os contendores, recebi uma unhada do Nabuco e uma mãozada nos beiços do Severíssimo.
Meio tonto, clamei pela intercessão do Companheiro Acácio. Este, sentado num banco da Praça do Poeta, a tudo assistia, impávido. Não sem antes advertir-me, em seu latim de ginasial:
— Vita longa est, pugna brevis.
& & &
A briga encerrou-se somente quando a noite já ia alta.
— Uh! Uh!…
A gente retorna na semana que entra.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.