A arte de não responder: Como políticos usam respostas evasivas para fugir de perguntas diretas como fez o prefeito de Mossoró
Quando se trata de entrevistas políticas, a expectativa do público é clara: queremos respostas objetivas, francas e coerentes com a pergunta feita. No entanto, não é raro observar políticos que, ao serem confrontados com questionamentos difíceis, especialmente sobre investigações, escândalos ou promessas não cumpridas desviam do foco com respostas vazias, genéricas ou completamente fora do contexto. Isso não é coincidência. É técnica. E tem nome: evasão estratégica.
O que dizem alguns especialistas?*
O fenômeno da evasão em discursos políticos é amplamente estudado na comunicação política e na linguística. Segundo o pesquisador William L. Benoit, autor da teoria da restauração de imagem, os políticos frequentemente utilizam estratégias de desvio ou mudança de tema quando sua imagem está ameaçada. No livro Accounts, Excuses, and Apologies (1995), Benoit detalha como pessoas públicas procuram evitar responsabilidade direta redirecionando o foco da conversa.
Já a obra “Discurso Político” de Patrick Charaudeau (2006) afirma que:
O político não fala apenas para responder, mas para construir uma imagem de si mesmo. Por isso, muitas vezes, a resposta à pergunta é menos importante do que o efeito que a resposta pode gerar.
O cientista político Murray Edelman, em A Construção do Espetáculo Político (1964), aponta que a linguagem política é moldada para causar impressões, não necessariamente para transmitir verdades factuais. As evasivas, portanto, são parte do jogo simbólico do poder.
Media training e a resposta que “não diz nada
Os cursos de media training treinamentos oferecidos a políticos e figuras públicas para lidarem com a imprensa ensinam justamente isso: não é preciso responder o que foi perguntado, e sim o que você quer comunicar.
É a técnica do “bridging”, como ensina Max Atkinson, autor de Lend Me Your Ears (2004), onde o político reconhece a pergunta, mas “atravessa a ponte” para uma mensagem positiva e segura. Funciona assim:
Pergunta: O senhor está sendo investigado pelo Ministério Público. O que tem a dizer?
Resposta evasiva: Pegamos a prefeitura com tudo analógico, e hoje é tudo digital. Estamos modernizando a gestão.
Essa foi, de fato, a estratégia usada pelo prefeito Alysson Bezerra, de Mossoró, durante entrevista na rádio 96 FM, quando questionado sobre investigações do Ministério Público relacionadas à sua gestão. Em vez de abordar o cerne da pergunta, ele preferiu destacar uma suposta inovação administrativa. Isso não é apenas uma fuga — é uma manobra discursiva planejada.
Por que isso funciona (pelo menos por um tempo)?
As respostas evasivas funcionam porque grande parte do público não está atenta ao conteúdo literal da fala, mas sim ao tom, à segurança e à repetição das mensagens. Em tempos de excesso de informação, muitos se satisfazem com uma narrativa bem contada, mesmo que descolada da verdade.
Contudo, essa tática tem prazo de validade. Quando as evasivas se acumulam, os eleitores mais atentos começam a perceber um padrão: o político que nunca responde com clareza tem algo a esconder. A confiança se desgasta.
Quando um político responde uma pergunta sobre investigação com uma fala sobre digitalização de documentos, ele não está sendo apenas incoerente está aplicando uma estratégia bem conhecida no mundo da comunicação política.
O caso de Alysson Bezerra não é único, mas é um exemplo emblemático de como a política brasileira atual está profundamente moldada pela lógica da comunicação performática. O que deveria ser um momento de prestação de contas vira um teatro de frases de efeito.
E cabe a nós, cidadãos e comunicadores, não deixar essas evasivas passarem impunes, cobrando respostas que estejam à altura da responsabilidade pública que o cargo exige.
Por Joyce Moura – jornalista
@joycemourarealize