VAMOS FALAR EM FUTEBOL?

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor

O futebol em Natal era no velho estádio Juvenal Lamartine, no Tirol. Lembro-me de alguns jogadores que ali se consagraram. Cocó, Saquinho, Jorginho, Véscio. Os goleiros Ribamar e Erivan. Erivan compensava sua baixa estatura com uma grande agilidade. Vi Lula e Marinho Chagas jogarem naquele palco pequeno para os seus talentos que iriam os levar à Seleção Brasileira. Deleitei-me vendo os gols e as jogadas de Alberi. A forma como ele dominava a bola, os chutes com os dois pés. A postura e a visão de jogo. Acho que Alberi foi uma espécie de unanimidade, aquele cara maior que o clube que defendia.

Vocês vão perguntar como vi tudo isso. Fácil. Meu pai era comentarista esportivo e desde criança me levava ao futebol. Eu tive a sorte de ver os jogos da cabine de rádio. Ali estavam Aluízio Menezes, Amaury Dantas, Almeida Filho, Rubens Lemos, Hélio Câmara, Boanerges Soares, Juracy Vieira. Assim estive presente na inauguração do frasqueirão (a arquibancada) e da iluminação do campo. Ver jogos à noite foi uma novidade agradável. As cores das camisas, a bola branca, o verde não tão verde da grama, o céu estrelado, tudo adquiria uma nova luz.

Era para eu ser torcedor do América desde garoto. Mas o clube, que era também o do meu pai e do meu irmão, licenciou-se para construir a sede social da Avenida Rodrigues Alves, deixando os torcedores órfãos. Passei a ser um garoto em busca de um clube. Havia o Globo com uma boa equipe, mas que também se afastou das disputas. Ferroviário, Atlético, Riachuelo, Santa Cruz. Escolhi o Alecrim para torcer. O Alecrim tinha tudo que eu gostava. Pequeno, discreto, simpático, torcida minúscula. Além disso, como não torcer por um time que tinha um treinador chamado Geleia e um zagueiro alcunhado Miro Cara–de-Jaca? Pois Geleia e Cara–de-Jaca levaram o Alecrim ao título em cima do ABC. E no ano seguinte, que maravilha, como para confirmar, fomos campeões novamente. Um dia o América voltou e fui ver, ansioso, a estreia do time com Rodrigues, Véscio e Pancinha. E algo aconteceu: não deu liga. Descobri que a essas alturas já era periquito de verdade. Fui recompensado por que em 1968 (que ano, hem?) o verdão atropelou os adversários e foi campeão invicto. Não perdeu uma sequer, umazinha que fosse. Qual alecrinense que se preze não sabe os nomes dos heróis? Eliezer, Luizinho, Miro, Cândido e Anchieta, Valdomiro e Pedrinho, Zezé, Elson, Icário e Burunga. Não dá pra falar de todos, mas essa dupla de meio campo, Valdomiro e Pedrinho dava gosto de ver.

Mesmo assim ABC e América continuaram na minha vida. As tardes dançantes na sede da Av. Potengi, ao som do Impacto-5, são inesquecíveis, assim como os namoricos e amassos. E o fiscal percorrendo o salão para repreender os casais mais ousados. A moça fazia cara de paisagem: – O quê? Quem? Eu, hem? E ai de quem não tinha aquela carteirinha de couro vermelho do América! Ficava de fora do melhor carnaval da cidade.

Em um desses carnavais do América, depois de passar a noite com a namorada (supervigiada pela mãe) saí com os amigos pacatamente de volta para casa. Só que no meio do caminho havia não uma pedra, mas o Palácio dos Esportes, já perto do final, com portões abertos. O diabo provocou e a gente entrou para ver aquela animação. Era um baile popular e democrático de verdade. Na multidão eclética havia um pouco de tudo: bichas (era assim que chamavam na época), putas, travestis, todas fantasiadas a valer. Encontrei até uma conhecida das noites da Ribeira. Na quinta-feira de cinzas fui, desavisado, visitar a namorada. A jovem foi logo comunicando: – Como é que pode? Mamãe não aceita mais nosso namoro. A empregada daqui de casa viu você dançando no Palácio dos Esportes. Foi minha vez de dizer: – O quê? Quem? Eu? Mas não havia nem como inventar que era fake news. Restou a raiva da empregadinha traíra.

Meus amigos não entendiam a minha opção pela terceira via, pois para eles tudo se resumia a ABC e América, um pouco como hoje se dividem entre Lula e Bolsonaro. Difícil aceitar a existência de uma alternativa nova e diferente. E aí falavam acusadores – Torcedor melancia. Compreendido ou não, voltei a ser campeão em 1985 e 86 já no Castelão e contando com a elegância sutil de Odilon.

Não entendo como é ter um time em cada estado. Um time no Rio, outro em São Paulo, mais um em Minas. De minha parte tenho dois, Alecrim em Natal e Flamengo no resto do mundo. Não dou bolas para futebol europeu e Messi pra mim não amarra as chuteiras de Sérgio Poti. Quem gosta de Cristiano Ronaldo não viu jogar Hélcio Jacaré.  E os fãs de Neymar me desculpem, mas Odilon foi muito superior além de não levar tantas quedas.

Ser Alecrim tem me livrado das discussões e brigas bestas. Quando querem me envolver tenho uma desculpa ótima: “- Estou fora. Sou Alecrim”. Acima, portanto, dessas querelas. A gente aprende que há sempre mais que dois lados de uma questão, diversificados pontos de vista que precisamos conhecer, processar e respeitar. E decidir as coisas por nós próprios. Sobretudo saber do que e com quem a gente está falando. Não somos gado. Gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, como dizia Vandré.

A arena política, pelas características do processo eleitoral brasileiro e da instituição do segundo turno, conduz inevitavelmente a uma polarização em que se torna difícil manter equidistância das paixões. O ideal é colocar a cabeça no lugar, ser frio e agir com inteligência. Afinal uma eleição é mais que um campeonato de futebol. Na eleição não apenas torcemos: participamos. E o resultado afeta de maneira profunda a vida de todos, independentemente do time pelo qual a gente torça. A taça é a nossa vida. O prêmio é o nosso futuro.

E quem sabe deve haver um Alecrim FC por aí para nos salvar.

NATAL/RN

Deixe um comentário