Vacinação de crianças avança lentamente na França; professores convocam greve nas escolas

Os franceses enfrentam a primeira semana de 2022 exasperados com a pandemia sem fim do coronavírus. A explosão de casos da ômicron – 206 mil infecções na média móvel dos últimos sete dias, e 410 mil testes positivos só na segunda-feira (3) – causam apreensão. A volta às aulas foi caótica, com milhares de professores e alunos contaminados. Dois sindicatos de professores convocam uma greve nacional para a próxima quinta-feira (13), alegando falta de condições para administrar a crise.

A França sequer atingiu o pico da quinta onda da pandemia, mas a explosão de infecções causadas pela ômicron já se reflete nas escolas, com 47 mil alunos positivos para a Covid-19 na primeira semana de janeiro e 5.600 adultos, entre professores, auxiliares de classe e de cantina. As licenças médicas profissionais e a obrigatoridade de testes em todos os alunos de classes afetadas criaram uma grande confusão nos estabelecimentos de ensino. Ao menos 9.200 salas de aula foram fechadas em todo o país.

A mesma cena se repete desde segunda-feira: o pai ou a mãe chega de manhã para deixar o filho na escola e descobre que, por causa de um ou mais casos positivos na classe, a criança não pode ser acolhida. Nessas circunstâncias, o governo preconizava até quinta-feira (6) três testes de diagnóstico nos dias seguintes, para o aluno poder assistir as aulas normalmente.

O Ministério da Educação oferece gratuitamente às famílias testes de antígeno para fazer em casa. Os pais podem retirar os kits nas farmácias, mas os estoques esgotaram. Com isso, pais e avós passaram a semana levando crianças aos laboratórios. Havia filas enormes nas calçadas e era preciso esperar horas no frio para conseguir fazer um PCR. Para piorar a situação, a corrida pelos testes tem gerado panes técnicas na plataforma onde farmácias e laboratórios publicam os resultados.

Na quinta-feira, vendo a confusão, o governo flexibilizou o protocolo de testes, mas dois sindicatos de professores convocaram uma greve nacional para o dia 13 de janeiro. Eles alegam que está muito complicado administrar as infecções, ainda por cima com funcionários ausentes por causa da Covid-19. Em vez de dar aula, os professores e diretores passam o dia conversando com as famílias por telefone ou e-mail para explicar a situação no estabelecimento.

Hospitalização de crianças com Covid-19 aumenta
Os dados desta semana mostram um aumento de incidência da Covid-19 em todas as faixas etárias, com maior prevalência entre adultos de 20 a 39 anos – provavelmente pelo descuido nas festas de fim de ano. Mas também chamam a atenção as hospitalizações de crianças pequenas, de bebês até os 9 anos de idade. Os Estados Unidos enfrentam esse mesmo fenômeno.

O ministro da Saúde francês, Olivier Verán, revelou que havia no começo da semana 64 crianças menores de 12 anos internadas na UTI devido a uma forma grave da Covid-19 – o dobro de casos registrados em novembro e dezembro. Outras 300 crianças estavam hospitalizadas com a Covid-19 em leitos ditos convencionais.

Os pediatras dizem que os pais não devem se alarmar, que o sistema imunológico das crianças combate o vírus de maneira mais rápida que um adulto, mas existem casos que fogem da regra, mesmo em quantidade marginal.

Vacinação na faixa etária de 5 a 11 anos é insuficiente

A França começou a vacinar as crianças de 5 a 11 anos em 22 de dezembro passado. Segundo dados divulgados nesta sexta-feira (7), de 80 mil a 90 mil crianças receberam a dose do imunizante adaptado pela Pfizer. Esse número representa pouco mais de 1% do total de crianças dessa faixa etária (5,7 milhões) que podem se beneficiar da proteção da vacina.

No Brasil, o Ministério da Saúde protelou o início da campanha, com a consulta sobre a necessidade de prescrição médica, o que não aconteceu na França, porque o imunizante infantil da Pfizer foi aprovado e é recomendado pela Alta Autoridade da Saúde, um organismo científico independente. Mas as autoridades francesas adotaram um outro obstáculo: nesta faixa etária de 5 a 11 anos, os dois pais devem autorizar formalmente a vacinação da criança.

O presidente da estratégia vacinal do governo, Alain Fischer, que é um pediatra especialista em imunologia, lamentou essa exigência. Acima de 12 anos, basta a autorização de um dos pais, e acima de 16 anos o adolescente pode decidir sozinho se quer tomar ou não a vacina.

Questão ética e reticência entre pais
O governo francês decidiu adotar o princípio de precaução na vacinação dos pequenos. Este argumento é evocado com frequência em assuntos de saúde na França, embora nenhum estudo tenha indicado risco na vacinação de crianças, muito pelo contrário. Os estudos apontam benefícios na proteção contra formas graves da Covid-19.

Mas existe a discussão política e na sociedade de que ao não adotar a obrigatoriedade vacinal para os adultos, o governo transferiu uma parte da responsabilidade do combate à pandemia às crianças, que na maioria das vezes se livram da infecção sem sequelas. Tornou-se uma questão ética. Agora, com o aumento recente das hospitalizações de crianças, talvez um número maior de pais decidam vaciná-las.

Pode acontecer um efeito semelhante ao dos não vacinados. Bastou o presidente Emmanuel Macron dizer que iria infernizar a vida dos que não quererm se imunizar para que, nos dias seguintes, os antivacinas buscassem os centros de vacinação. Na quarta-feira (5), 66 mil pessoas, que recusavam a imunização, tomaram a primeira dose, um recorde para um único dia.

Macron assume que irá infernizar os não vacinados
A declaração de Macron teve repercussão mundial. O líder francês usou um termo grosseiro, coloquial, para falar dos antivacinas. O centrista, que ainda não assumiu oficialmente sua candidatura à reeleição, mas está em campanha, declarou em uma entrevista que iria “encher o saco dos não vacinados até o fim”.

A frase foi calculada. Para fidelizar os 25% de eleitores que prometem votar nele no primeiro turno das presidenciais de abril, e um número bem maior de franceses que aprova sua gestão da epidemia, Macron forçou os adversários a sair do armário. A oposição tem um discurso ambíguo sobre a vacinação.

Nessa quinta-feira (6), havia 4 mil pacientes de Covid-19 nas UTIs francesas – 70% a 90% não vacinados, segundo diferentes levantamentos. A exasperação de que essa pandemia não acaba por causa da teimosia cega dessas pessoas divide cada vez mais o país. E Macron aposta nessa polarização. Em um pronunciamento nesta manhã no Parlamento Europeu, ele disse que “assume” o linguajar popular e assina embaixo.

No sábado (8), os antivacinas voltam às ruas em manifestações contra o novo passaporte vacinal, que ainda está em tramitação no Parlamento. É possível que se veja um aumento no número de manifestantes, com até 39 mil pessoas nas ruas em todo o país.

Em 6 de janeiro, a França tinha 77,3% da população completamente vacinada e 20,9% de não imunizados, o equivalente a pouco mais de 4 milhões de cidadãos. O sul do país tem o maior número de franceses hostis à vacinação contra a Covid-19.

RFI

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