Thadeu Brandão – O “Mossoró Cidade Junina” precisa retomar sua autenticidade

Por Thadeu Brandão.

Trato novamente do mesmo tema em que me reportei ano passado. Desta vez, com um teor e preocupação mais direcionadas. Como disse naquele momento, em artigo que escrevi ano passado, na Revista Turismo: Estudos e Práticas da UERN (VER AQUI), apontei que Mossoró possui três grandes eventos que podem vir a serem motores de um possível desenvolvimento sustentável para o chamado “Turismo Cultural”. De todos, era o “Mossoró Cidade Junina”, que apresentava maiores condições de ser tratado como momento possível de se concretizar essa modalidade turística no momento atual. Isto porque, a cidade, nesta época, disponibiliza toda uma estrutura turística capaz de dar conta de um afluxo mínimo de visitantes. Não me refiro apenas a hotéis e restaurantes, o que a cidade já possui minimamente – embora em número insuficiente para uma demanda maior –, mas a uma estrutura de banheiros públicos, comércio de artesanato, estrutura de deslocamento – que em Mossoró é extremamente precária –, e um sistema de guias turísticos locais que – em tese – privilegiam não apenas o espetáculo, mas o patrimônio histórico e cultural local (gastronomia, arte, manifestações da cultura popular etc.).
Infelizmente, essa realidade era e continua ainda distante do necessário. O crucial, é que temos uma ausência de planejamento estruturado que permita a integração dos eventos enquanto políticas públicas efetivas, tanto por parte da Prefeitura Municipal de Mossoró, quanto por parte do Governo do Estado do Rio Grande do Norte. O “Mossoró Cidade Junina”, não possui ainda um “Comitê Gestor Permanente” (com participação de representantes das instituições e da sociedade civil): antes patinava no amadorismo de gestão cultural. Neste ano, sucumbiu à falta de tempo e à falta de recursos. Construído novamente às pressas, corre o risco de se resumir aos mega espetáculos da indústria cultural. Suas quadrilhas juninas, sanfoneiros, teatro de mamulengos, autos, repentistas e demais atrações ou não aconteceram a contento ou mesmo, nem chegaram a aparecer.
Como eu apontei antes, se existe o evento, ainda não há a estrutura para recepcionar um quantum significativo de turistas e tornar a perspectiva de um “Turismo Cultural” consolidada.  Mesmo assim, os eventos crescem gradativamente, o que talvez – aqui especulo –, enseje uma necessidade de adequação estrutural para se preparar para essa demanda. Tão grave quanto a questão de infra-estrutura e de planejamento, porém, é a própria natureza dos eventos, que correm o risco de se descaracterizarem ou mesmo não mais ocorrerem.
Fundamental apontar que, com atual crise da PETROBRÀS e a crise política e econômica que assola o Brasil, os repasses dos “royalties” da estatal, que permitiam o financiamento dos eventos em Mossoró, município polo na extração de petróleo em terra no RN, vários dos eventos praticamente deixaram de ocorrer nos últimos anos, como o “Auto da Liberdade”. O próprio “Mossoró Cidade Junina”, diante da crise, também passou a ser ameaçado, além de alvo de críticas por parte da sociedade local (algumas muita vezes nem um pouco “republicanas”, já que partem dos atores que, ano passado, fizeram o mesmo ou pior em termos estruturais ou organizacionais do evento).
Mas, como apontei acima, há algo de mais grave no que tange ao evento e seu planejamento. Podemos apontar isso, inclusive, como “vício de nascimento”, já que o mesmo nunca possuiu um comitê gestor independente e articulado com a sociedade. Se – como já escrevi em um artigo científico publicado pela Revista Turismo Estudos e Práticas da UERN em 2012 – o evento é símbolo da cultura mossoroense, no que então esta possui de especificidade, já que as mesmas bandas são comuns a todos os eventos por aí a fora? Onde está a sua “nordestinidade sertaneja” obliterada pelo “sertanejo” do Centro-Oeste, nada tendo a ver com o nosso forró, nossas tradições e identidade?
Não se trata de bairrismo ou de “tradicionalismo” exacerbado. Nenhuma identidade se fortalece sem alguns conjuntos de práticas e de representações sociais que a ensejam. Se cantamos o brega-sertanejo de Goiás (nada contra) ao invés de nosso forró, o que trazemos de festejo junino nordestino? Descaracterização em nome dos interesses da Indústria Cultural efêmera e passageira
Este ano, os artistas locais tiveram mais espaço, mas continuam subordinados única e exclusivamente à festa etílica moldada pela poderosa indústria cultural. Que valores locais são apreendidos e consolidados? Afinal, se como eu disse anteriormente, se as ditas bandas e cantores são exógenas e estão em todos os eventos, qual a imaterialidade cultural a ser preservada?
Não se trata de ser “contra ou a favor” do evento como destilaram, em seu péssimo português e em sua verborragia submissa à interesses escusos e pouco republicanos, alguns “blogueiros independentes”. O evento, por ser já Patrimônio Imaterial do RN deve ser mantido. Mas, deve ser mantido seu foco real: a valorização da cultura local em sua identidade e especificidade. Fugir disso é destruir o evento. Caminhamos para isso, não tenham dúvidas.