Thadeu Brandão – O “Espírito” do Natal

Quando finda o ano, ouvimos as pessoas comentarem acerca do “espírito de natal”. Alguns dizem que é tempo de harmonia, confraternização, solidariedade e amor. Jesus nasceu! Que alegria. Mas, quando observamos atentamente para a mídia e para a sociedade como um todo, percebemos que não é o nascimento de Jesus que é comemorado. Mas, na verdade, o que se anseia e se celebra com avidez são os lucros obtidos pelo comércio e pela indústria. Os símbolos do Natal são capitalisticamente reelaborados e se tornam instrumentos de marketing e propaganda.

De festa religiosa transmuta-se em festa profana. Até aqui, nada de novo. O carnaval passou pela mesma transformação, até se descaracterizar totalmente. O ocaso é que o natal ainda é lembrado como um momento religioso de significado importante para as nações cristãs. O Natal é celebrado desde o século IV da era cristã. Surge para substituir a festa pagã em honra ao deus sol, comemorado em 25 de dezembro. Era um momento de confraternização, mas sem grande significado até a Idade Média. A partir do renascimento comercial e urbano vivido pela Europa no século XIII, inicia-se o hábito de “trocar presentes”. Ora, a troca de presentes (ou de favores) é uma característica fundamental de quase todas as sociedades humanas. É o princípio da dádiva, do dom e do contra-dom.

A questão é que, a partir do auge da revolução industrial na Europa (século XIX), o Natal passa a ganhar um “espírito capitalista”, ou seja, o Natal começa paulatinamente a ser reduzido a troca de presentes. Não é a toa que hoje o maior símbolo do Natal não seja o presépio (invenção atribuída a são Francisco de Assis no século XIII) mas o Papai Noel. Este foi, na verdade, um bispo católico canonizado posteriormente que viveu no século III no Império Romano. São Nicolau, seu nome, costumava distribuir “presentes” para as pessoas. Bem, o problema é que são Nicolau não distribuía presentes, mas dinheiro aos pobres. A imagem do Papai Noel que hoje nos defrontamos foi construída principalmente ao longo do século XIX e se tornou no século XX o que hoje conhecemos. Ele foi o primeiro grande garoto propaganda de grandes marca como a Coca-cola, da qual herdou seu figurino vermelho.

Natal vem do latim e é raiz da palavra natalício, nascimento. É a comemoração do nascimento do menino Jesus e marca o início da Era Cristã. Ou seja, é um acontecimento limítrofe para nós ocidentais. Seja o indivíduo cristão ou não, religioso ou não, ele é bombardeado pela mídia com o espírito do Natal que nos contagia e nos convida a consumir: presentes, panetones, perus, etc. Aqui, no nosso rincão potiguar, isso nem sempre foi assim. Luís da Câmara Cascudo mostra que o Natal era comemorado com uma missa (a do Galo) e uma ceia posterior, reunindo a família e os amigos. “Dezembro era o Natal, todo o ciclo de festas populares gravitando ao redor do presépio. Ninguém adivinhava que Papai Noel, barbudo, coberto de agasalhos de lã, viesse a popularizar-se no dezembro tropical”. No pátio da Igreja, assistia-se a apresentações de pastoris e autos populares, encenados ao átrio, esperando a meia-noite.

Enfim, era uma festa popular e familiar, voltada para o público e para a sociabilidade, o Natal era o momento de congraçamento e celebração. Era a festa de aniversário do deus menino. Fé e alegria, sagrado e profano, misturados e re-transformados e revividos pelo povo. Hoje, quando observo as pessoas se esbarrando e se acotovelando nas ruas do comércio (quando não estamos em crise, obviamente), buscando aquele presente e aquele peru, fico imaginando que tipo de Natal nós construímos. Mas, ainda nos restam os exemplos de solidariedade e amor, de esperança e caridade emanados aqui e ali, e não apenas no Natal, por pessoas que levam consigo o verdadeiro espírito do Natal. Este qual seria? Acho que amor. Amor sem restrições, preconceitos ou limites. Como bem disse santo Agostinho, “ama e faze o que quiseres”. Ama então! Feliz Natal a todos.