Thadeu Brandão – Marília Mendonça e a inflexão de gênero: a dor de “corna” também tem que ser cantada.

Esta na apresentação musical e espetáculo da jovem cantora Marília Mendonça, quando encontro Paulo Sidney, colega docente do IFRN e figura sempre pensante, que pediu minha opinião sobre o fenômeno tão rápido e massivo da cantora Marília Mendonça.  Eu, que já olhava abismado a interação entre a artista e as quase duas dezenas de milhares de pessoas que lotavam o Espaço Villa Oeste em Mossoró, fiquei a matutar umas “imponderações”.

Quando se trata de Indústria Cultural não há respostas simples. Todavia,  as escolhas do público podem ser um dos caminhos analíticos possíveis para responder. O chamado “brega-sertanejo” não é um ritmo e tipo musical recente, sua massificação vem desde o final dos anos 1980 e início dos 1990 com as famosas duplas sertanejas.  Mas, sua fusão com batidas mais “percussionais” e com ritmos mais dançantes, como o forró nordestino adaptado ao Sudeste (o chamado “forró universitário”), são elementos mais próximos e novidades.

Mesmo assim, por que uma menina de apenas 22 anos, fora do padrão estético exigido (anoréxico) e com voz pouco feminina estourou nas paradas tão rápido?

Possibilidade (uma das): o público. Questão de escolhas racionais (ou nem tanto).

Ela canta para mulheres que podem ter, tiveram ou têm experiências afetivas (a famosa “dor de corno”) similares. Canta massivamente para esse público que não tinha (na seara do “brega” contemporâneo) um produto que encaixasse suas necessidades de consumo simbólico. Não me falem de que ela é um “novo” Reginaldo Rossi. Ele cantava “para” as mulheres, mas não lhes dava voz. O sentido simbólico elencado é que Marília Mendonça canta as agruras amorosas, chifres e desilusões desta mulher que, cada vez mais, toma seu espaço público. Se o seu “cupido é um gari” ou se “seu companheiro infiel deve ir morar em um motel”, não são apenas consumos das massas “apolitizadas” que são vendidos. Adorno, apesar de certo quanto à emancipação, não percebeu todas as matizes que o “gradiente de informalização” (Nobert Elias) faria pela indústria cultural. Nem mesmo a questão da emancipação feminina, que perpassa por outras searas também…

Outrossim, são elementos simbólicos e representações que remetem ao cotidiano afetivo da jovem mulher brasileira, não apenas aquela dos grandes centros, mas também as das pequenas e médias cidades. Não é mais a mulher “bela, recatada e do lar”, mas aquela que trabalha, estuda, transa (não só com homens) e se defende emocionalmente. E que, no espaço público, bebe bastante também.
Marília Mendonça sinaliza para esse público. O fato de mulheres em massa cantarem suas músicas e, mais simbólico ainda, da cantora ter cantado “Eu quero” da Banda Kid Abelha, falou mais ainda…

Como diria o velho Max Weber, trago apenas uma via possível de compreensão. Existem outras. Há ainda a questão do papel da internet e da distribuição dessa fonografia, mas não foi minha intenção aqui discuti-los. Em todo caso, “dor de corno” não é mais monopólio masculino. As mulheres agora não mais são traídas simplesmente. Elas rasgam a traição, choram, sofrem, bebem e começam a ter um discurso simbólico que permitem-nas cantar, finalmente, em primeira pessoa.

 

Thadeu de Sousa Brandão

Sociólogo, Mestre e Doutor em Ciências Sociais (UFRN). Membro Efetivo do Programa de Pós-Graduação em Cognição, Tecnologia e Instituições – PPGCTI e Professor do Departamento de Agrotecnologia e Ciências Sociais – DACS da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA. Co-Apresentador do Programa Observador Político na TV Mossoró e FM Resistência (93FM). Membro da Câmara Técnica de CVLIS da SESED. Autor de “Atrás das Grades: habitus e redes sociais no sistema prisional”, entre outros.