Thadeu Brandão – Intervenção Militar no RJ de Temer: a falência do pensar no Brasil

Ano passado fiz a mesma reflexão que novamente trago à baila. Há nesta “modernidade liquefeita”, um sintoma onde os espaços públicos se esvanecem e onde a atuação dos indivíduos – em sua ação face-a-face – é substituída pela intermediação da internet, através de computadores, tablets e smartphones, onde a atualidade do pensamento rígido e aprofundado se faz cada vez necessária, embora esteja em vias de inexistência. Como dantes, apelarei para a atualidade de Hannah Arendt e algumas reflexões (breves, brevíssimas) que esta faz sobre a política hodierna:
“A nova geração demanda de seus políticos astúcia, mas não caráter; oportunismo, mas não princípios; propaganda, mas não políticas” (…). Daí que, “a política que surge dessa mentalidade é a Realpolitik. Suas figuras são homens de negócios que acabam se tornando políticos”. Deste modo, “o que parecia uma rebelião contra os valores morais conduziu a um tipo de ideia coletiva: qualquer um que pode exergar mais longe do que a ponta do seu próprio nariz é acusado de viver em um mundo de fantasia. O que parecia uma rebelião contra o intelecto levou a uma torpeza organizada – o poder faz o direito” (Hannah Arendt, Escritos Judaicos, 1945).
Na realidade do “tangível” e do “aqui e agora”, pleitos futuros não existem. A máxima é: “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Proliferam os “gestores” que dizem fugir da política, mas na verdade, fogem mesmo é das soluções democráticas. Não se almeja mais a efetiva construção do futuro, mas a solução que garanta a sobrevivência do pleito mais próximo. Ser o “governador da segurança” ou o “presidente da salvação e da moralização” nos encantam como o canto da sereia. Como Ulisses, talvez devamos tapar os ouvidos com cera, antes de cair na armadilha. O ato de Temer, Ópera-Bufa por si só, de intervir militarmente na Segurança Pública do Rio de Janeiro é um desses atos: esconde a ilegitimidade absoluta de seu governo e a sua morte pré-anunciada. Sem “reformas” a aprovar (pois não possui maioria), nada resta senão o pastelão e o pasquim político e abjeto.
Pensar é um ato solitário. Mas, suas consequências são sempre imponderáveis. Por isso, pensar é perigoso e se faz tudo para impedi-lo. Hannah Arendt nos lembra que a radicalidade do mal vem do não pensar. Do obedecer cegamente sem se rebelar com o pensamento e com toda a alma. Eis a banalidade do mal. Precisamos tornar o pensamento um ato fundamental da crítica e da nossa capacidade de não aceitar o que ocorre hoje como normal.
Os fascismos constroem o mal banal porque abdicam do pensar e fazem deste ato algo criminoso. O Brasil corre o risco de criminalizar o pensar. Ninguém quer efetivamente pensar. Compramos frases feitas (a maioria “fakes”, de perfis falsos ou controlados por grupos específicos). Longe do “coronelismo, enxada e voto” do passado, vivenciamos um controle novo das opiniões, mais poderoso porque se esconde na fantasia da “opinião pública” e da pretensa liberdade desta. Pensar a segurança pública de forma “militarizada” é um exemplo disto.
Enfim, só o pensamento, livre e sem amarras, pode nos delegar a liberdade. E isso, só é possível na democracia e sem violência. Nestes momentos, coragem custa caro. Ainda mais numa época de frivolidade, superficialidade e obscurantismo. Mantenho-me na resistência à banalidade do mal.Vivência não significa entendimento. A experiência é uma condição necessária, mas não suficiente, para o conhecimento. Há sempre um hiato entre aquilo que experimentamos e o modo como lhe conferimos inteligibilidade. Conhecer é um processo que exige “distância”.
Vende-se a falsa ideia de que, por exemplo, é preciso “vivenciar” um tema para se poder debater. Na verdade, só a distância métodológica, rígida e séria permite o saber. No mas, se resvala nos processos do senso comum. Pior: termina-se por não se escutar os atores sociais que fazem a realidade – em seu conjunto – e, aí sim, têm algo a dizer aos ouvidos e olhos treinados, como nos lembrou Claude Lévi-Strauss. A ideia de “intelectual de gabinete” ou de “prática como saber” são axiomas falsos. Só o distanciamento necessário leva ao conhecimento. Tanto a “direita” como a “esquerda” absorveram esses axiomas como verdades. O resultado: desintelectualização da vida e perda analítica.
Vivenciamos uma querela contra o saber analítico e necessário (que demanda tempo e ócio criativo) talvez, equivalente, ao da Idade das Trevas. O capitalismo necessita de ciência e tecnologia (em todas as áreas) para existir. Teremos ilhas de inteligência no mar da imbecilidade?
Novamente Hannah Arendt, para os que lambem as botas do poder (seja qual for): “não pode haver patriotismo sem oposição permanente”. O que se nos oferecem? Submissão ao “novo” que já surge velho e desgastado. O empresário ou o “militar” como solução (note que TODAS as nossas elites políticas atuais nasceram desse tipo de sujeito que, um dia, se colocou como “novo” e “fora da política”, mas na verdade, SEMPRE a financiaram…). O que restará de nossa democracia se a participação no espaço público se remete a um clique de “curtir”, “compartilhar” ou “retuitar”? Um espectro ronda o mundo. O espectro do neofascismo. O do passado, ligado à monopolização das “massas”. O do presente, à inércia do indivíduo e de seus valores morais cada vez mais conservadores.
Ao povo do Rio de Janeiro, principalmente aos milhões que habitam as comunidades pobres e desamparadas pelo Estado, a sombra do fascismo e da incompetência absoluta de uma corja que os usarão, fatalmente, para tentar sobreviver até dezembro.
Aos demais, a bestialização da mídia e da TV que nos lembram que mugir e ruminar são as opções dadas pelo poder.