Thadeu Brandão – Homicídios e juventude no Brasil

O Brasil vivencia, há pelo menos três décadas um duro cotidiano de riscos e incertezas. Nossa “modernidade tardia” caracterizar-se-ia pela reprodução estrutural da exclusão social e pela disseminação das violências, com a consequente ruptura de laços sociais e a exclusão de várias categorias sociais, como a juventude, uma das grandes vítimas desse processo.

Aqui, nesses rincões, o jovem relaciona-se com a violência de modo ambivalente: ora torna-se vítima, ora surge como agressor.

Fundamental frisar que os jovens vivenciam um processo de transição para a vida adulta, cada vez mais tardio em nosso momento civilizatório, quando então sua agressividade (pulsão) tem o caráter positivo de habilitá-los a se autonomizarem e a ocuparem um lugar no espaço social. Isto posto, uma das características marcantes nos adolescentes atuais é a incerteza do emprego, assim como o exercício e a vivência da agressividade e da violência. Num mundo de incertezas e de fragmentações, a violência surge como discurso, deveras autônomo.

Os dados de homicídios das últimas três décadas mostra uma tendência de generalização da violência. Considerando todo o período de 1980 a 2015, houve um continuado aumento das mortes de jovens e adultos jovens, sobretudo do sexo masculino, por causas externas (homicídios, suicídios, mortes no trânsito). Há uma sobremortalidade masculina, juvenil, parda/negra, moradora de periferias e com baixa escolaridade.

Não nos esqueçamos também a violência no trânsito, denominada de forma equivocada de “acidentes de trânsito”, foi a causa de aproximadamente 23 óbitos para cada 100 mil jovens em todo o país. O trânsito é, no mínimo catalizador desse processo.

Sociologicamente falando, nos reportando à herança de Nobert Elias, a violência configura-se como forma de linguagem e como norma social para algumas categorias sociais, em contraposição às chamadas normas “civilizadas”, pautadas pelo autocontrole e pelo controle social institucionalizado. No Brasil, sociedade em processo de “globalização”, efetiva-se uma pluralidade de diferentes tipos de normas sociais, podendo-se ver aí uma simultaneidade de padrões de orientação da conduta muitas vezes divergentes e incompatíveis.

Desta forna, nos deparamo com uma forma de sociabilidade (ou anti?), a violência, que configura-se como um dispositivo de controle, aberto e contínuo. Ela seria a relação social de excesso de poder que impede o reconhecimento do outro – indivíduo, classe, gênero ou raça – mediante o uso da força ou da coerção, provocando algum tipo de dano, um dilaceramento de sua cidadania, e configurando o oposto das possibilidades da sociedade democrática contemporânea. Envolve também uma polivalente gama de dimensões materiais, corporais e simbólicas agindo de modo específico na coerção com dano que se efetiva.

A sociedade, de modo geral, não reconhece que o adolescente está em um processo de transição para a vida adulta, quando sua agressividade é necessária para ele encontrar um lugar no espaço social. Aos jovens, provavelmente, tem faltado esse reconhecimento por parte das instituições socializadoras: trata-se de salientar a quebra do sentido da escola como dispositivo de socialização para a vida e para o trabalho, bem como a necessidade de construir o reconhecimento social dos jovens, pela afirmação de sua auto-estima e de seu prestígio social na sociedade.

Vivemos um verdadeiro “genocídio” juvenil: jovens, negros/pardos, pobres, com baixa escolaridade e moradores de periferias. O perfil pouco muda e se altera nessas três décadas. Da faixa de 16 a 24 anos, o grosso das vítimas vai se consumindo. Quanto aos perpetradores, este quase que também pode ser considerado o perfil. O problema é que nossos homicídios são poucos investigados. Quando o são, poucas investigações são exitosas. Temos um quadro de homicídios perpetrados pelo próprio Estado e seus agentes que é difícil de investigar. Esse vácuo analítico custa caro ao Brasil e ao seu futuro.

Resta perguntar, que futuro?